BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs uma revisão na trajetória das contas públicas que, na prática, adia o ajuste fiscal para o próximo presidente da República.
A meta fiscal será zero para 2025, igual a este ano, com uma alta gradual até chegar a 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2028.
Os números sinalizam uma flexibilização em relação à promessa feita no ano passado, na apresentação do novo arcabouço fiscal, de entregar um superávit de 0,5% do PIB no ano que vem e alcançar um resultado positivo de 1% do PIB já em 2026, último ano de mandato de Lula.
A opção do Executivo pela meta zero no ano que vem também indica ainda a possibilidade de novo déficit, já que há uma margem de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou menos. Isso significa um resultado positivo ou negativo em até R$ 31 bilhões.
O próprio governo já prevê um resultado negativo de R$ 29,1 bilhões para 2025. No entanto, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permitiu despedalar o pagamento de sentenças judiciais (precatórios) autorizou descontar da meta fiscal os valores extraordinários quitados em 2025 e 2026.
No ano que vem, os precatórios fora da meta somam R$ 39,9 bilhões. Com isso, o resultado que conta para saber se o alvo foi cumprido ou não fica positivo em R$ 10,8 bilhões (ou 0,1% do PIB).
Além da piora do cenário fiscal, o Executivo também reduziu a velocidade do ajuste fiscal. Se antes o esforço adicional era de 0,5 ponto percentual ao ano, a melhora do resultado agora será de 0,25 ponto ao ano em 2026 e 2027.
Após o déficit zero no ano que vem, o governo prevê um superávit de 0,25% do PIB em 2026 (R$ 33,1 bilhões), 0,50% do PIB em 2027 (R$ 70,7 bilhões) e 1% do PIB em 2028 (R$ 150,7 bilhões), os dois últimos já no primeiro biênio do mandato do próximo presidente da República.
A intenção do governo de perseguir uma meta menos ambiciosa foi revelada pela Folha de S.Paulo. O número consta no PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025, apresentado nesta segunda-feira (15).
A piora no alvo da política fiscal deve ter consequências negativas sobre a trajetória da dívida pública. Segundo estimativas da própria área econômica, é preciso um superávit de 1% do PIB para estabilizar a dívida -patamar que, agora, só deve ser alcançado no próximo governo.
Pelas projeções do Executivo, a dívida continuará subindo até 2027, quando alcançará os 79,7% do PIB, para só então começar a cair lentamente até 74,5% do PIB em 2034 -ainda assim, um patamar semelhante ao observado no fim de 2023 (74,4% do PIB).
Na tarde desta segunda, a poucas horas da divulgação oficial, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) confirmou à Globonews a meta zero em 2025, em uma inusual entrevista exclusiva concedida pelo chefe da pasta antes de uma coletiva à imprensa convocada para tratar justamente do PLDO.
Nem Haddad nem a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) participaram da coletiva para justificar a piora no cenário fiscal, tarefa que coube a secretários das duas pastas.
“Nós não costumamos antecipar os dados da LDO antes da entrevista oficial, mas vazaram esses dois dados [meta de 2025 e salário mínimo], e aí a imprensa toda está dando. Até me desculpo por estar falando disso antes das 17h, que é o horário combinado. Mas, sim, os dados que eu tenho são esses”, disse o ministro.
Além da meta, ele fez referência à previsão de salário mínimo de R$ 1.502 no ano que vem, como antecipou a Folha de S.Paulo.
Apesar da revisão do cenário fiscal dos próximos anos, Haddad disse não desistiu de alcançar um superávit ainda neste mandado do governo Lula. “Tem 2026 ainda.”
O secretário-executivo do Planejamento, Gustavo Guimarães, afirmou que a nova trajetória mantém a sustentabilidade das contas e que o compromisso do governo com esse objetivo “não é temporário”. “A responsabilidade fiscal continua sendo a nossa bússola”, disse na entrevista coletiva.
A flexibilização da trajetória fiscal se dá diante de um quadro desafiador para continuar aumentando a arrecadação e alcançar o superávit de 0,5% do PIB, como prometeu o ministro da Fazenda.
Embora o governo tenha aprovado uma série de medidas de receitas ao longo de 2024, boa parte delas são extraordinárias e não se repetirão no ano que vem.
Além disso, membros do Executivo têm a avaliação de que a agenda de arrecadação está se exaurindo, o que dificulta ir atrás de novas receitas.
Um sinal disso são as resistências enfrentadas pelo governo na discussão de medidas enviadas ao Legislativo no fim de 2023, como a reoneração da folha de pagamento de empresas e prefeituras, o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e a limitação do uso de créditos judiciais pelas empresas para abater tributos.
A Fazenda precisou abrir as negociações e flexibilizar boa parte dessas iniciativas para melhorar sua aceitação no Congresso. Consequentemente, isso afeta a capacidade do governo de reequilibrar as contas públicas.
Na entrevista à Globonews, Haddad disse que o governo vai manter a interlocução com o Congresso Nacional em busca de novas fontes de receitas. “Vamos rever os gastos tributários”, disse. “Vamos fazer a arrecadação voltar um patamar razoável, acima de 18% [do PIB]. A gente está mirando em 18,5% [do PIB].”
Pelas projeções, a receita líquida do governo deve ficar em 18,7% do PIB de 2025 a 2027, chegando a 18,85% do PIB em 2028.
Para este ano, a meta já é de déficit zero, e a avaliação mais recente do Orçamento indica um resultado negativo em 0,1% do PIB, ou R$ 9,3 bilhões -dentro da margem de tolerância da meta fiscal, que é de 0,25 ponto percentual para mais ou menos (R$ 28,9 bilhões).
Embora a meta seja igual para 2024 e 2025, o governo tem o discurso de que a proposta de Orçamento do ano que vem precisará ser enviada cumprindo esse objetivo central, enquanto neste ano o resultado esperado já é de déficit. Por essa comparação, o governo estaria garantindo a trajetória de melhora contínua das contas.
A flexibilização das metas, porém, também mostra o governo pouco disposto a enfrentar as sanções previstas no arcabouço fiscal em caso de descumprimento do objetivo.
No ano seguinte ao estouro da meta, são acionados gatilhos de contenção de despesas obrigatórias, como gastos com pessoal. No segundo ano, um redutor freia o ritmo de expansão do limite de gastos. Com uma meta mais frouxa para os próximos anos, a probabilidade de acionamento dessas penalidades fica menor.
Enquanto isso, o governo prevê que a regra do arcabouço vai garantir a correção do limite de despesas no teto de 2,5% acima da inflação em todos os anos até 2027. Isso significa que, no atual mandato, o governo Lula poderá usufruir da expansão máxima permitida pela norma desenhada por Haddad.
IDIANA TOMAZELLI E ADRIANA FERNANDES / Folhapress