Governo Lula se distancia de atos da esquerda contra Bolsonaro e pela democracia

SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Movimentos e partidos de esquerda vão às ruas neste sábado (23) em atos pela democracia e contra anistia a golpistas, em diferentes cidades do país. As manifestações miram Jair Bolsonaro (PL) e não vão contar com o embarque do governo Lula (PT).

O presidente não deve comparecer, tampouco seus ministros.

Os atos estão marcados para ao menos 23 cidades, inclusive fora do país, mas o principal será no Largo do Pelourinho, em Salvador, onde vão se reunir presidentes de partidos, inclusive Gleisi Hoffmann do PT, líderes de movimentos e parlamentares. O governador anfitrião, Jerônimo Rodrigues (PT), vai comparecer.

Os organizadores querem evitar que as manifestações sejam comparadas ou vistas como resposta ao ato promovido por Bolsonaro na avenida Paulista, em fevereiro. Até por isso, como mostrou a Folha, eles buscaram um local diferente em São Paulo, o Largo São Francisco, e pulverizaram os protestos pelo país.

Na época, Lula reconheceu que o ato adversário foi grande —e havia temor de que a comparação de público fosse desfavorável para a esquerda.

O dia de mobilização tem como temas também a ação de Israel na Faixa de Gaza e a memória dos 60 anos do golpe militar.

Nesse último ponto, a posição dos militantes, que formam a base do governo Lula na sociedade e no Congresso, contrasta com a do próprio presidente, que orientou ministérios a não realizar críticas ou atos que lembrem a ditadura em meio a um esforço para distensionar a relação com as Forças Armadas.

Representantes de entidades ouvidos pela Folha afirmam que tanto o governo quanto os movimentos têm autonomia para realizar ou não cerimônias que marquem a data e para incentivar ou não manifestações.

Enquanto parte minimiza a decisão do governo, argumentando que seu papel institucional é diferente, há também críticas à postura de Lula.

Depois de vetar atos alusivos ao golpe, o governo avaliou que, no mesmo sentido, deveria ficar de fora da convocação das frentes Brasil Popular e Povo sem Medo para este sábado.

Além disso, a leitura no Palácio do Planalto é a de que a gestão petista não deveria usar o governo para mobilizar a militância, acusação que era feita em relação a Bolsonaro. O mandatário deve ficar no fim de semana em Brasília.

Ministros do governo Lula do PT e outros partidos de esquerda evitam falar que há uma posição fechada ou mesmo uma orientação para se distanciarem dos atos. Por outro lado, afirmam que não irão comparecer por motivos variados, como compromissos familiares e doenças.

Alexandre Padilha (Relações Institucionais), por exemplo, deve cumprir agenda oficial no Rio de Janeiro. Há ministros que ainda afirmam não terem tomado decisão, como o chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo (PT). Um dos protestos está previsto para acontecer em Aracaju (SE), sua base política.

Deputados e senadores petistas iniciaram em suas redes sociais uma campanha de convocação para os atos, nas diferentes cidades. Uma das presenças confirmadas no ato em Salvador é o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

No início do mês, integrantes do governo e do PT bateram cabeça sobre a conveniência de convocar o ato. Primeiro, por causa da inevitável comparação com o de Bolsonaro. Em segundo lugar, porque alguns opinam que o Planalto deveria priorizar as políticas públicas e não os atos de rua como meio para mobilizar a base e aumentar a popularidade de Lula.

Num cenário negativo para o presidente, o Datafolha desta quinta (21) mostra sua aprovação (35%) empatada tecnicamente com sua reprovação (33%).

O deputado federal Jilmar Tatto, secretário de Comunicação do PT, diz concordar com a posição do Planalto de não se misturar aos atos, mas critica o veto a eventos que lembrem a ditadura. Diz que isso é “um erro” e que ações institucionais servem para que um golpe “nunca mais aconteça”.

“O governo tem que governar. Governo não faz manifestação, oposição é que faz. Agora, está certo as entidades fazerem o ato. É para reafirmar a defesa da democracia. Quem tenta dar golpe tem que ir para a cadeia.”

Durante o planejamento das manifestações, os organizadores decidiram não incluir o mote da prisão de Bolsonaro como bandeira. O argumento que prevaleceu nos debates fechados foi o de que o direito de defesa e o devido processo legal têm que ser resguardados, assim como se reivindicava para Lula nos casos da Operação Lava Jato.

Os protestos têm a participação de siglas de esquerda, como PT, PC do B, PV, Rede, PSOL, PSB e PDT. E também de entidades como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), CUT (Central Única dos Trabalhadores), CMP (Central de Movimentos Populares), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e UNE (União Nacional dos Estudantes).

Rud Rafael, coordenador do MTST e representante da frente Povo sem Medo, afirma não ver problema na ausência do governo nos atos ou na proibição de eventos institucionais com esse tema.

“O mais importante é que a sociedade brasileira não esqueça [a ditadura]. Há um nexo direto entre a ditadura militar e os fatos políticos que movem a extrema direita hoje, uma tentativa golpista em curso. Em nenhum momento queremos fazer palanque, mas sim dar voz às manifestações populares”, diz.

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da CMP, também diz que o movimento é autônomo em relação ao governo, embora sejam aliados.

“Tanto é que não arredamos pé de lembrar os 60 anos [da ditadura]. Compreendo a preocupação do Lula de não tensionar com os militares, mas a melhor maneira de não tensionar e não deixar brechas como a do 8 de janeiro é lembrar o golpe sanguinário de 1964. Os movimentos têm obrigação moral de trabalhar esse tema.”

Bonfim acrescenta que depoimentos colhidos pela PF mostram que Bolsonaro “foi mentor da tentativa de golpe” e “animam o processo de convocação”. Ainda assim, ele admite que, desde 2013, “a direita tem mobilizado mais gente”.

Já a presidente da UNE, Manuella Mirella, diz ser “inadmissível” a proibição do governo de atos em alusão ao golpe. “Temos sim que exigir punição para quem atacou a democracia tanto em 1964 como no 8 de janeiro”, afirma ela, que rejeita a comparação com a manifestação bolsonarista.

Diz que aquele foi “um ato de desespero de Bolsonaro” e que as manifestações de rua “estão no DNA do movimento social”.

CIDADES COM ATOS MARCADOS

AL – Maceió – Calçadão do Comércio – 9h

BA – Salvador – Largo do Pelourinho – 15h

CE – Fortaleza – Praça do Ferreira – 8h30

DF – Brasília – Praça Zumbi dos Palmares – 16h

ES – Vitória – Praça Vermelha – 9h

GO – Goiânia – Coreto da Praça Cívica – 14h

MA – São Luís – Praça Deodoro – 9h

MG – Belo Horizonte – Praça Afonso Arinos – 9h

MS – Campo Grande – Praça do Rádio – 9h

PA – Belém – Escadinha do Cais – 9h

PB – João Pessoa – Praça da Lagoa – 15h

PE – Recife – Praça do Derby – 10h

PR – Curitiba – Praça Santos Andrade até Boca Maldita – 9h

RJ – Rio de Janeiro – Uruguaiana com Presidente Vargas – 10h

RR – Boa Vista – Praça Germano Sampaio – 17h

RS – Porto Alegre – Largo Glênio Peres – 15h

RO – Porto Velho – Praça Marechal Rondon – 17h30

SC – Florianópolis – Em frente a Catedral – 16h

SE – Aracaju – Em frente a Deso – 07h

SP – São Paulo – Largo São Francisco – 15h

SP – Osasco – Calçadão em frente ao Shopping – 13h

Lisboa (Portugal) – Praça Luís de Camões – 10h30

Barcelona (Espanha) – C/ Rocafort 242 – 14h

CAROLINA LINHARES E RENATO MACHADO / Folhapress

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