BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Lula (PT) ingressou com ações na Justiça para retirar de apartamentos funcionais da União ex-integrantes da gestão Jair Bolsonaro (PL) que se recusaram a deixar os imóveis após serem exonerados.
Há casos de profissionais que passaram a atuar em outros poderes, governos locais e até mesmo quem nem vive mais em Brasília, mas mantém sua família no imóvel.
Segundo o governo, pelo menos cinco casos chegaram às últimas instâncias administrativas ou tiveram decisão judicial pela expulsão do apartamento. Outros ainda estão em fase recursal dentro da administração pública.
De acordo com a legislação, têm direito a um imóvel da União funcionários em cargos de confiança de alto escalão, com salários a partir de R$ 11 mil e que não sejam proprietários ou casados com alguém que tenha casa própria no Distrito Federal. Todos os apartamentos ficam no Plano Piloto, em áreas nobres da capital.
Quando o servidor for exonerado ou dispensado do cargo que lhe dá direito ao apartamento, deve devolvê-lo no prazo de 30 dias.
Uma das ações na Justiça envolve Bruno Schettini Gonçalves, que foi da equipe de Paulo Guedes, no cargo de diretor de articulação institucional da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do então Ministério da Economia.
Ele atualmente mora no Rio de Janeiro, onde é subsecretário do Tesouro da gestão Cláudio Castro (PL) desde janeiro de 2023.
A União chegou a obter uma liminar no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) determinando a reintegração de posse, com o argumento de que Gonçalves estava cedido para o governo do Rio e havia recebido ajuda de custo para se mudar com a família.
A liminar, no entanto, foi revertida no fim de agosto. Gonçalves, que é originalmente da Polícia Rodoviária Federal, afirma que a ajuda de custo é apenas um de seus direitos. Argumenta ainda que a sua posição como servidor efetivo garante ter sua mudança paga pela União.
A Justiça acatou o recurso e, agora, o caso aguarda julgamento. À reportagem ele diz que uma de suas filhas, que é maior de idade, permaneceu em Brasília para cuidar dos móveis da família. Depois, sua esposa e outros filhos decidiram retornar para a capital federal.
Ele acrescenta que a União cobra dele uma dívida de cerca de R$ 250 mil por permanecer no imóvel.
“Eu trabalhei em alguns estados da federação, com a União me mandando para resolver problemas. Eu me mudei umas cinco, seis vezes. A União pagou a minha mudança uma vez, as outras eu paguei tudo do meu bolso. Então, assim, chegou um ponto que eu fiquei fulo da vida, eu falei: dessa vez eu não pago”, afirma.
“Agora que eu estava na próxima mudança, a União quer me botar para fora. Eu falo: ‘me bota para fora, mas com o caminhão de mudança e não com a polícia me dando porrada no ombro e tirando do apartamento’. Não tem cabimento. A lei me protege, diz que eles têm que pagar a minha mudança”.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, responsável por administrar uma parte dos apartamentos funcionais, não quis comentar situações específicas.
Em nota, afirmou que quem ocupa irregularmente apartamentos funcionais é notificado pela Secretaria do Patrimônio da União e está sujeito a multa e inscrição na dívida ativa da União.
Um dos casos em fase final de procedimento é o de Uiara Couto de Mendonça, que desde dezembro de 2023 é subsecretária de Apoio a Vítimas de Violência na Secretaria de Justiça do Distrito Federal.
A revogação da permissão para que ela ocupe um apartamento na Asa Norte foi publicada na quinta-feira (3) no Diário Oficial da União. Agora, se ela se recusar a deixar o imóvel, deve ser acionada na Justiça.
Ela permaneceu pouco mais de um mês no governo federal. Foi nomeada em 6 de dezembro de 2022, para a Secretaria Nacional do Cadastro Único, no extinto Ministério da Cidadania. Teve direito a um apartamento funcional em 15 dias.
Em 24 de janeiro de 2023, foi exonerada pelo ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social).
Em nota enviada antes de o governo oficializar que ela deveria devolver o apartamento, a subsecretária afirmou que a ocupação do imóvel era legal, pois ela passou a ter outro cargo em comissão.
Citou normas que, em sua leitura e na de seus advogados, garantiriam a ela o direito, considerando que sua função no Governo do Distrito Federal tem correlação com os postos listados em uma portaria de 2019 que faz uma equivalência entre cargos federais e em outros poderes e entes federados.
Após a revogação, ela disse não foi notificada e que iria analisar a situação.
No mês passado, a União obteve a reintegração de posse do apartamento que era ocupado por Luciana Coutinho Leite Barboza Simões, em um processo que durou mais de 20 meses. Ela se mudou dias depois.
Na gestão passada, ela atuava dentro do Planalto como assessora especial da Secretaria de Governo, comandada por Célio Faria, que é próximo a Bolsonaro. Após ser exonerada, deveria ter deixado o apartamento no fim de janeiro de 2023.
Ela, no entanto, pediu a prorrogação do prazo para a entrega do imóvel sob o argumento de que tem um filho de 19 anos com transtorno do espectro autista nível 2 (há três gradações).
“Quando Bolsonaro perdeu a eleição, eu e muitas pessoas tivemos depressão. Eu nunca tinha tido depressão na vida e fiquei muito mal”, diz. “Talvez por conta disso, ele, porque os autistas são muito sensitivos, têm uma sensibilidade aguçadíssima, meu filho, que estava bem até então, começou a ficar mal, a ficar agressivo.”
Ela diz que apresentou cinco laudos médicos sobre a condição de seu filho para a Presidência.
Na decisão liminar, o juiz afirma que a ex-servidora dispôs de prorrogações de prazo, em vista de sua situação, “de forma que estava plenamente ciente de sua obrigação e teve amplo lapso temporal para tomar as providências necessárias, decidindo, no entanto, por ignorar as comunicações posteriores do ente público proprietário do imóvel”.
As regras para a cessão de apartamentos funcionais da União são regidas por um decreto de 1993. O pedido para ocupação deve ser feito pela autoridade máxima do órgão de lotação do servidor, por meio de ofício ao Ministério da Gestão.
O processo não é automático e há uma fila de espera. Cabe ao morador pagar taxa de ocupação, condomínio e outras despesas referentes ao uso do imóvel.
Uma pesquisa feita pela reportagem em portais de imobiliárias dá conta que apartamentos em quadras dos casos mencionados têm alugueis que variam de R$ 4.500 a R$ 7.800.
RENATO MACHADO E MARIANNA HOLANDA / Folhapress