Governo Lula tira embaixador de Israel sem nomear substituto

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nomeou o ex-embaixador em Israel para ser o representante especial do Brasil junto à Conferência do Desarmamento, em Genebra, na Suíça. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (29).

Ele ocupava o posto de embaixador em Tel Aviv até fevereiro deste ano, quando voltou ao Brasil após uma crise diplomática entre os países. Não há substituto designado até o momento.

Naquele mês, Lula afirmou em viagem à Etiópia que a ofensiva de Israel em Gaza após os atentados terroristas do Hamas se assemelhava ao que Adolf Hitler fez quando “resolveu matar os judeus”.

O chanceler israelense, Israel Katz, convocou Meyer a dar explicações sobre a fala de Lula. O encontro estava inicialmente previsto para ocorrer na sede do ministério de Relações Exteriores, na tarde do dia seguinte.

Na manhã do dia da reunião, o governo israelense mudou o local da reunião para o Yad Vashem, mais importante memorial sobre o Holocausto. A mudança inusitada em cima da hora e a forma como os israelenses organizaram a reprimenda foi vista pelo Itamaraty como uma forma de constranger o governo brasileiro.

No local escolhido, Katz falou a Meyer que Lula é “persona non grata em Israel até que retire o que disse”. O chanceler israelense, porém, expressou-se em hebraico, língua que o brasileiro não fala.

Assim, Meyer só foi se inteirar sobre o que havia sido dito sobre Lula depois. Em resposta, o Itamaraty chamou o embaixador de volta ao Brasil para consultas e convocou o representante israelense no Brasil, Daniel Zonshine, para dar explicações.

No último fim de semana, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou em viagem a Pequim que Meyer não voltaria a ocupar o cargo de embaixador do país em Israel.

“Nosso embaixador foi humilhado. Eu acho que ele não volta. Se vai outro, eu não sei. Ele não volta, porque ele foi humilhado pessoalmente. Mas, ao ser humilhado pessoalmente, foi o Brasil que foi humilhado. A intenção foi humilhar o Brasil”, disse Amorim na ocasião.

Em nota, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) lamentou a decisão desta quarta. “Os dois países têm uma rica história de cooperação e afeto”, afirmou a organização. “A medida unilateral do governo brasileiro nos afasta da tradição diplomática brasileira de equilíbrio e busca de diálogo e impede que o Brasil exerça seu almejado papel de mediador e protagonista no Oriente Médio.”

A comparação das ações israelenses na Faixa de Gaza com as da Alemanha de Hitler contra o povo judeu foram o ponto de inflexão entre Tel Aviv e Brasília. A relação entre os dois países, porém, já estava crítica desde quando ataques liderados pelo Hamas no sul de Israel, em 7 de outubro, mataram cerca de 1.200 pessoas, segundo Tel Aviv, e iniciaram a guerra.

Naquele dia, Lula condenou os atentados, que classificou de terrorismo, mas não citou a facção. “Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas. O Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito”, afirmou o presidente.

Na mesma publicação, o petista pediu a criação de um Estado palestino, uma antiga demanda da diplomacia brasileira —em dezembro de 2010, quando Lula terminava o seu segundo mandato, o Brasil reconheceu a existência da nação que o líder Yasser Arafat havia proclamado unilateralmente em 1988. A medida foi replicada por diversos países da região, como Argentina, Chile e Uruguai.

A falta de menção ao grupo islâmico foi cobrada por membros da comunidade judaica no Brasil e opositores. Quase duas semanas depois, Lula citou a facção durante uma participação remota a uma cerimônia de comemoração ao Bolsa Família.

“[As crianças de Gaza] não pediram para o Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse de forma insana e as matasse”, afirmou

Nos meses seguintes, enquanto a crise humanitária no devastado território palestino avançava, Lula subiu o tom e chegou a citar o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, em uma entrevista à emissora Al Jazeera, do Qatar.

“Como governante, ele [Netanyahu] é uma pessoa muito extremista, de extrema-direita e com sensibilidade baixa em relação aos problemas do povo palestino”, disse o petista. “Ele pensa que os palestinos são pessoas de terceira ou quarta classe.”

O Brasil não é o único país com que Israel tem tido rusgas por causa da guerra, que já matou mais de 36 mil palestinos, de acordo com o Hamas. Até mesmo aliados históricos e principais fornecedores de armas do Exército israelense, como Estados Unidos e Alemanha, já tentaram traçar linhas às ações do Estado judeu.

O último atrito aconteceu com Espanha, Irlanda e Noruega, que reconheceram em conjunto o Estado da Palestina na última semana. A decisão abriu uma crise entre as três nações europeias e Tel Aviv, que considerou o ato uma recompensa ao terrorismo.

Em retaliação, o chanceler israelense, Israel Katz, chamou seus embaixadores nos respectivos países para consultas e afirmou que repreenderia os representantes de cada um em Israel. Com a ação, ele pretendia enviar a mensagem de que Tel Aviv não ficará calado diante daqueles que “minam sua soberania e colocam em perigo sua segurança”.

Em nota divulgada nesta quarta-feira, o governo brasileiro disse que saúda o reconhecimento da Palestina pelos três países europeus.

“O crescente número de países que reconhecem o Estado da Palestina constitui notável avanço histórico que contribui para responder aos anseios de paz, liberdade e autodeterminação daquele povo.”

O Brasil reafirmou a defesa da solução de dois Estados independentes, um palestino e outro israelense, convivendo lado a lado em paz e segurança, dentro das fronteiras de 1967, “o que inclui a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital”.

O atual governo de Israel, o mais à direita da história do país, rejeita uma solução de dois Estados para o conflito na região. “[A criação de um Estado palestino] se choca com nossa ideia de soberania”, afirmou Netanyahu em janeiro.

LUCAS MARCHESINI / Folhapress

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