Governo negocia assumir custo de até R$ 26 bi em Angra 3 por vagas em conselho da Eletrobras

BRASÍLIA, DF E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Eletrobras negocia com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um acordo para a União assumir integralmente a Eletronuclear, responsável pelos investimentos da usina de Angra 3, em troca de maior número de assentos nos conselhos de administração e fiscal da empresa -privatizada na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

O acordo está sendo costurado entre a empresa, o MME (Ministério de Minas e Energia) e a AGU (Advocacia-Geral da União), mas enfrenta resistências da equipe econômica devido aos riscos financeiros envolvidos.

Eventual acerto significaria jogar no colo da União a fatura integral da conclusão de Angra 3, que pode chegar a R$ 26 bilhões, segundo as avaliações mais recentes. Na configuração atual, a Eletrobras precisaria responder por cerca de um terço desse valor, proporcional à sua fatia na companhia de energia nuclear.

Com a negociação, o governo federal também assumiria sozinho as dívidas da Eletronuclear, que somam cerca de R$ 6 bilhões e pelas quais a Eletrobras pode responder hoje de forma solidária.

Integrantes da equipe econômica e técnicos especializados na área ouvidos pela reportagem afirmam que a operação não faz sentido econômico para a União, enquanto é extremamente positiva para a empresa ao livrá-la dos passivos da Eletronuclear.

Defensores do acerto, por sua vez, argumentam que o maior peso da União no conselho de administração da Eletrobras compensaria qualquer saldo “financeiramente ruim” de assumir a Eletronuclear. Além disso, esse grupo alega que a exploração de energia nuclear é algo estratégico e deve estar sob responsabilidade estatal.

A União tem hoje um único assento no conselho de administração da Eletrobras, apesar de ser acionista majoritária, com 43% das ações. Isso acontece porque a lei da privatização e o estatuto da empresa limitaram o exercício de voto a 10% do capital social.

Crítico da privatização, o governo Lula busca, desde o ano passado, meios para ampliar sua participação na instância decisória da companhia e chegou a acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para reivindicar quatro assentos no colegiado. O movimento iniciou uma negociação entre governo e companhia.

De acordo com fontes que participam das negociações, o acordo em discussão prevê a ampliação do número de assentos no conselho de administração da Eletrobras de 9 para 10, dos quais três seriam indicados pela União (que ficaria com 30% dos votos no colegiado).

O governo almejava ter quatro posições, mas uma delas deve ficar no conselho fiscal.

Em troca, a Eletrobras planeja se desfazer da participação na Eletronuclear, já que os investimentos previstos não são considerados atraentes pela empresa. A avaliação é de que a perspectiva de aportes em Angra 3 tem inclusive afetado o preço da empresa na Bolsa.

A venda da fatia na estatal nuclear seria paga pela União com ações que ela tem na Eletrobras, algo em torno de 2,5% a 3,5% do capital da empresa. O acordo seria apresentado ao STF, no âmbito da ação iniciada pela União.

O governo negocia um desconto no valor da participação nuclear. Ainda assim, a avaliação na equipe econômica é de que não há justificativa para a União abrir mão de uma parte de sua participação em uma empresa saudável e lucrativa, como a Eletrobras, em troca de assumir sozinha uma empresa endividada e que ainda pode gerar mais passivos.

A construção da usina, em Angra dos Reis (RJ), foi interrompida duas vezes. A paralisação mais recente ocorreu em 2015, devido aos esquemas de corrupção investigados pela operação Lava Jato. Naquele momento, cerca de 60% da obra estava pronta.

Segundo estimativas mais recentes, o projeto ainda demandaria outros R$ 26 bilhões em investimentos, mas ainda há dúvidas sobre sua viabilidade. No fim de 2023, consultoria do BNDES concluiu que a usina poderia gerar a menos de R$ 500 por MWh (megawatt-hora). O valor pode não ser suficiente para arcar, via tarifa, com os custos da obra.

A outra opção, desistir da construção, teria um custo de R$ 13,5 bilhões entre pagamento de dívidas já contratadas, multas, indenizações a fornecedores e ressarcimento de incentivos fiscais já usufruídos.

Os investimentos em Angra 3 foram uma espécie de herança não desejada pela Eletrobras após a privatização da empresa, feita em 2022. Naquele ano, para viabilizar a venda da companhia, o controle da Eletronuclear foi transferido para a estatal ENBPar (Empresa Nacional de Participações em Energia Nuclear e Binacional) para manter os ativos de energia nuclear sob a União, conforme determina a Constituição.

Mas a Eletrobras permaneceu com 35,9% das ações ordinárias (com direito a voto) e 99,99% das preferenciais da Eletronuclear, que passou a ser uma coligada do grupo de energia antigamente estatal.

Integrantes do governo, porém, ressaltam que todas as modelagens feitas pelo mercado para decidir pela compra ou não da ação da Eletrobras consideravam a existência desse passivo no balanço da empresa. Ou seja, foi um fator levado em consideração na precificação e descontado pelos investidores na hora de pagar pela participação na companhia.

Para investidores, a transação seria benéfica à companhia. “A cessão de Angra ao governo terminaria com os provisionamentos feitos constantemente por Eletrobras”, escreveu a Ativa Research, calculando que a empresa economizaria R$ 20 bilhões em investimentos ou R$ 12 bilhões para abandonar a usina.

Na equipe econômica, há inclusive uma dúvida sobre a viabilidade jurídica de fechar esse acordo por meio do STF. Para alguns técnicos, é necessário mexer na lei -inclusive para tirar a trava dos 10% de poder de voto- e submeter os termos a assembleia de acionistas.

As negociações por maior poder do governo na Eletrobras foram iniciadas em dezembro, depois de uma série de ameaças e declarações de integrantes da gestão petista contra a empresa, sob o argumento de que o modelo de privatização prejudicou a União.

O processo vem sendo conduzido sob coordenação do ministro do STF Kassio Nunes Marques. Nesta quarta (31), a Eletrobras anunciou que serão solicitados mais 45 dias de prazo para uma solução amigável.

As tratativas envolvem também a antecipação de recursos a serem pagos pela Eletrobras à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, abastecida pelos consumidores e que paga uma série de subsídios). O ponto entrou na negociação após uma MP (medida provisória) publicada neste ano autorizar a operação.

O Executivo quer usar os recursos antecipados para reduzir a conta de luz ou amenizar aumentos no curto prazo, embora haja risco concreto de um efeito rebote nos anos seguintes.

Caso esse ponto vá adiante, também deve ser vantajoso para a companhia, já que o valor remanescente é atualizado pela inflação. Pago agora, ele terá um desconto.

A equipe econômica também vê essa operação com reservas, já que, a partir da MP publicada, dois consórcios se mostraram interessados em adquirir o direito da União de receber esses créditos no futuro.

Nesta quarta-feira (31), o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) afirmou que está otimista com o acordo e que o governo não pode ficar sem cadeira nos conselhos.

“Está avançando muito, estou muito otimista”, afirmou a jornalistas após leilão de petróleo em São Paulo. “Não é crível que nós tenhamos 43% das ações da Eletrobras, nós que eu digo o povo brasileiro, e a gente não tem um conselheiro dos nove. Não é crível que a gente não tenha um conselheiro fiscal. Não é crível que os brasileiros não se sintam confortáveis de serem representados pela União no conselho da corporation”, disse.

De acordo com Silveira, a decisão sobre a continuidade de Angra 3 ainda não está tomada e depende de estudos. “Dependemos desses estudos para saber quanto custa, quanto vai custar a energia final. Naturalmente, pelos custos que já foram empregados, somado aos custos que serão, não será uma energia mais viável do que as outras energias, em especial as energias mais competitivas no país.”

FÁBIO PUPO, IDIANA TOMAZELLI E NICOLA PAMPLONA / Folhapress

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