SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As incertezas sobre a estabilidade da economia brasileira -um dos principais motivos para a disparada do câmbio nas últimas semanas- poderão ser reduzidas por meio de uma comunicação mais eficaz e transparente do governo Lula. O diagnóstico é do economista-chefe do Citibank, Leonardo Porto, em evento com jornalistas em São Paulo nesta terça-feira (10).
Segundo ele, o estresse instalado no mercado financeiro desde a apresentação do pacote de medidas de contenção de gastos não deriva das medidas em si, mas, sim, da quebra de expectativas alimentadas ao longo de quatro semanas pela ala econômica do governo.
“O primeiro problema foi de sinalização. Todos estavam esperando um pacote no montante de R$ 70 bilhões entre 2025 e 2026, e isso veio. Mas, inesperadamente, surgiu um pacote de isenção tributária que quebrou as expectativas. Ou seja, o governo sinalizou uma coisa, ancorou as expectativas em torno dessa coisa e entregou algo diferente”, diz Porto.
Apresentado em 27 de novembro, o conjunto de ajustes fiscais prevê uma economia de R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030, em cortes que vão desde a limitação do ganho real do salário mínimo a mudanças na aposentadoria de militares.
O objetivo do pacote é garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal, a regra que norteia os gastos públicos aprovada em 2023 -uma das principais demandas do mercado financeiro, que cobrava do governo medidas críveis de sustentabilidade fiscal.
Mas, apesar do pacote ter vindo com um tamanho até acima do esperado por agentes econômicos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), no mesmo anúncio, informou que o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) passará por uma revisão.
A ideia é aumentar a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5.000, colocando em xeque uma arrecadação de R$ 35 bilhões ao ano. A compensação viria da criação de um imposto mínimo de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil ao mês, proposta conhecida como taxação dos super-ricos.
A apelidada “reforma da renda” caiu mal no mercado. Desde que a notícia veio a público, o dólar subiu mais de 4% e renovou a cotação recorde para R$ 6,08 na base nominal (a que desconsidera a inflação).
“O governo falou que é neutro. Mas, se todo mundo acreditasse nisso, não deveria ter tido impacto que teve, certo? O que faltou, para mim, foi mostrar os números para convencer as pessoas de que o cálculo está certo, que o aumento da isenção será neutro do ponto de vista fiscal”, afirma Porto.
“Ou seja, o que pode ser feito para resolver esse estresse? Transparência. A falta de transparência foi o segundo problema. O governo precisa mostrar os números dessa proposta que a gente ainda não conhece no detalhe, e isso diminui a incerteza.”
Para ele, a comunicação falha tem desancorado os preços dos ativos brasileiros e elevado o prêmio de risco nas curvas de juros futuros –um indicativo de que há muita incerteza entre os investidores. “E incerteza se resolve com transparência”, diz Porto.
Parte do mercado ainda espera um gatilho mais contundente para dissipar parte das dúvidas. As sugestões vão desde anunciar um corte “na carne” de despesas em 2025 até desistir oficialmente da proposta de reforma do IR.
O pacote agora tramita no Congresso em regime de urgência, mas deputados e senadores ameaçam enterrar a votação em meio à crise das emendas parlamentares.
Diante disso, o governo deu início a uma força-tarefa na segunda e prometeu liberar emendas com a edição de portarias.
No meio da tarde, quando a leitura do projeto que regulamenta a reforma tributária já tinha sido adiada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com líderes do governo no Palácio do Planalto.
Segundo relatos, tanto Lira como Pacheco disseram ao presidente que o clima no Congresso ficou ainda pior diante da decisão desta segunda do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que manteve as regras mais duras para o pagamento das emendas.
Lula pediu um esforço dos presidentes para garantir a votação do pacote neste ano, mas ouviu, como resposta, que o Palácio do Planalto precisa fazer gestos para melhorar a relação com deputados federais e senadores.
Para reduzir a resistência no Congresso, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, disse nesta terça que o governo pode rever as mudanças propostas no BPC (Benefício de Prestação Continuada). A medida tem sido criticada por diferentes bancadas, inclusive a do PT.
“O BPC tem uma preocupação da bancada do PT, que a gente entendeu e vai internalizar. A depender de como for, talvez seja possível fazer um ajuste ou outro menor para que a gente destrave a votação”, disse o secretário.
TAMARA NASSIF / Folhapress