Governo quer modelo inédito e permanente de fiscalização ambiental em estrada na amazônia

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério dos Transportes trabalha na elaboração de uma proposta para fazer um contrato permanente de fiscalização ambiental da BR-319, a estrada federal que liga Porto Velho a Manaus e que enfrenta, há anos, dificuldades de licenciamento ambiental para que seja novamente pavimentada.

Segundo informações obtidas pela reportagem, o plano é bancar, com recursos públicos, a prestação de serviços de monitoramento e controle de tráfego, envolvendo sistemas eletrônicos e fiscalização in loco, como forma de evitar que a retomada da estrada possa acelerar o desmatamento em uma das áreas mais sensíveis da amazônia.

Dois portais de controle de acesso estão previstos no planejamento, com gerenciamento de cargas que entram e saem da rodovia.

Caso o projeto avance, seria um modelo inédito da gestão federal que, hoje, concentra a sua fiscalização ambiental no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A ideia já tem sido debatida com o MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), banco de fomento que já tem experiências com a mediação de concessão de parques federais, as chamadas unidades de conservação ambiental.

O trabalho privado seria um complemento às ações já realizadas por Ibama, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal na região. O objetivo é ter o modelo de contratação detalhado e fechado no início do ano que vem.

A retomada da estrada enfrenta forte resistência de organizações civis e ambientalistas, que veem no retorno do asfalto o aumento da destruição ambiental. Já o governo afirma que será justamente a pavimentação o que permitirá um controle intensivo da rodovia. Por ano, cerca de R$ 200 milhões já são gastos com manutenção da estrada.

Atualmente, mesmo sem asfalto, a BR-319 tem fluxo constante de caminhões, que fazem filas quilométricas ao longo do trecho, transportando carga entre as duas capitais.

Aberta pelo governo militar em 1976, a rodovia de 877 quilômetros já chegou a ser completamente asfaltada. Em pouco mais de uma década, porém, sua manutenção foi abandonada e, no fim dos anos 1980, já estava intrafegável.

Hoje, o asfalto é realidade nos primeiros 200 km de rodovia, a partir de Porto Velho. Em seu outro extremo, a partir de Manaus, 250 km da estrada também possui pavimentação. No chamado “trecho do meio”, entre os km 250 e 656, uma extensão de 400 km está hoje em leito natural, após a deterioração completa.

Na semana passada, em visita ao estado do Amazonas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o governo vai avançar com a pavimentação do trecho do meio da estrada.

O compromisso foi reafirmado em encontro com os senadores do Amazonas Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB), no qual trataram de medidas para levar água potável para a região de São Gabriel da Cachoeira (AM). O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), também participou do encontro.

“O presidente confirmou que teremos um novo plano de governança para a BR-319, com esse monitoramento constante. Nós queremos que seja monitorado mesmo, não temos interesse nenhum em desmatamento ou queimada. É a floresta em pé que nos interessa”, disse à reportagem o senador Omar Aziz.

“Nós fiscalizamos mais de 11 mil quilômetros de fronteira da Amazônia com outros países. Não vamos conseguir fiscalizar 400 km de estrada?”, questionou.

No mês passado, uma decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) derrubou uma liminar que havia suspendido, em julho, a licença prévia ambiental para o asfaltamento do traçado central da BR-319. Essa licença havia sido emitida no fim de 2022, nos últimos meses do governo Jair Bolsonaro.

Segundo o Observatório BR-319, uma rede de organizações da sociedade civil que atuam na área de influência da rodovia, o processo de licenciamento tem uma série de falhas, o que envolve falta de consultas aos povos indígenas da região.

A região de influência da BR-319 já é marcada pela extração ilegal de madeira. Em localidades como a Vila Realidade, criada a partir de um assentamento do Incra, próximo de Humaitá (AM), é possível encontrar diversas madeireiras operando pelo caminho.

Pela estrada, costuma ser intenso o tráfego noturno de caminhões lotados de madeira extraída ilegalmente, como forma de escapar de uma possível fiscalização na região.

Neste ano, uma parcela considerável do desmatamento na amazônia ocorreu dentro de terras indígenas, especialmente a Kaxarari e a Tenharim Marmelos, localizadas na zona de influência da rodovia BR-319, segundo dados do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), da ONG Imaflora.

O valor estimado pelo governo para pavimentação do trecho é de R$ 1,751 bilhão. O plano prevê a construção de 123 estruturas para passagem de fauna ao longo da estrada, com prazo de 48 meses para conclusão. Em setembro, o presidente Lula assinou uma ordem de serviço para renovar o asfalto de 52 km da rodovia, mas fora de seu trecho central.

ANDRÉ BORGES / Folhapress

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