BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após décadas de discussão e poucos avanços, o governo do presidente Lula (PT) aposta na regulação do mercado de créditos de carbono proposta em tramitação no Congresso para ajudar na conclusão do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, além de atrair investimentos na ordem de R$ 120 bilhões até 2030.
O governo inclusive quer criar um sistema de mensuração nacional para emitir os seus próprios certificados de carbono e não depender de organismos estrangeiros.
O mercado de crédito de carbono é uma forma de reduzir as emissões na atmosfera, com o estabelecimento de metas de redução e a possibilidade de venda da quantidade excedente.
Funcionaria desta forma: uma empresa produz 40 mil toneladas de gás carbônico. Em um ano, terá que reduzir para, hipoteticamente, 38 mil. Supondo que, após 12 meses, a emissão aumente para 50 mil, ela terá que compensar este aumento de 12 mil por meio de créditos de carbono. Como? Comprando 10 mil de uma ou mais companhias que tenham reduzido suas emissões e mais 2 mil por meio do mercado voluntário.
Esse é um caso fictício descrito à Folha pelo secretário de economia verde do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Rodrigo Rollemberg, sobre como deve funcionar o mercado de carbono do Brasil uma vez regulamentado.
As quantidades e prazos são hipotéticos, diz, mas ilustram a direção que o governo pretende dar para o tema.
Os parâmetros para o funcionamento desse mercado são, justamente, o próximo passo no processo de criação e regulamentação do mercado de carbono e passam pela criação de uma autoridade, que será responsável por definir as balizas e monitorá-las.
Atualmente, o governo já tem pronta uma minuta de lei para regular o tema, que foi conduzido pela Fazenda com auxílio de outras pastas como Mdic, Meio Ambiente e Minas e Energia. O texto passa por revisão dos respectivos departamentos jurídicos.
A intenção é que a proposta esteja pronta e aprovada no Congresso antes da COP 28, que acontece em dezembro deste ano.
A estimativa, baseada em um estudo da WayCarbon junto com a Câmara de Comércio Internacional, é que possa ser gerada uma receita extra de US$ 120 bilhões (R$ 564 bilhões) o que, segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin, tem potencial para impulsionar o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
O governo debate agora qual a melhor forma de enviar o projeto de regulação do mercado de carbono para o Congresso: se por um projeto de lei do Executivo, apadrinhando a proposta, ou se articulando com algumas das propostas já em tramitação no Legislativo são duas no Senado e uma na Câmara dos Deputados.
A definição deve ser feita pelo conselho político do presidente Lula.
O projeto atual prevê a criação de uma autoridade, diz Rollemberg, subordinado a um órgão maior.
“A gestão [do mercado] será feita pelo Conselho Interministerial de Mudanças Climáticas, que vai definir as estratégias e vai aprovar os Planos Nacional de Alocação. Quem vai fazer o credenciamento e o processo chamado de monitoramento, relato e verificação, e a própria elaboração do plano, é a autoridade. E ela submete isso à aprovação do conselho”, diz.
“O ideal é que a implantação seja gradual”, afirma.
Na prática, portanto, será essa autoridade que definirá as metas de redução das emissões de carbono, a metodologia de mensuração e o processo de credenciamento das empresas no mercado.
Uma das preocupações do secretário é que seja feito um sistema de mensuração nacional, para poder emitir seus próprios certificados de carbono e não depender de uma certificadora internacional, que demora mais para analisar e emitir o documento e custa mais caro, não sendo acessível a projetos de médio ou pequeno porte.
A autoridade também será responsável por definir a percentagem do total de créditos de carbonos devidos que poderão ser adquiridos no mercado voluntário que, segundo Rollemberg, deve girar em torno dos 20%.
“Isso vai estimular também esse mercado voluntário, fomentar atividades de sequestro de carbono, os processos de reflorestamento e as tecnologias de captura e estocagem de carbono”, diz ele.
A composição de tal autoridade será discutida após a sanção da lei, no processo de regulamentação. Ainda não se sabe se será um órgão ligado ao governo, uma agência ou algum outro formato.
A regulação atingirá apenas as empresas que emitem mais de 25 mil toneladas de carbono principalmente, indústrias como a química, de cimento, a siderúrgica e alumínio.
O projeto do governo tem consonância, por exemplo, com uma proposta publicada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), com quem o Executivo conversou durante a elaboração da minuta de regulação.
O governo ainda pretende que os parâmetros nacionais sejam equiparados aos usados internacionalmente, por exemplo na União Europeia, para que o Brasil consiga negociar créditos com estes outros países.
Também há um grande interesse da China, evidenciado na última viagem de Lula ao país asiático, em negociar créditos de carbono brasileiros. O Brasil é visto como uma potência mundial neste setor.
“O ideal é que seja uma implantação gradual e que seja com metodologias reconhecidas internacionalmente para que o Brasil possa transacionar internacionalmente. Isso abre uma grande oportunidade, porque nós temos aqui uma matriz [de produção] de baixo carbono”, afirma o secretário.
Outra preocupação é que a criação do mercado ajude o Brasil não só a reduzir as emissões e, portanto, cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, mas também que possa ele ajudar junto com outras iniciativas como o hidrogênio verde e a produção de energia limpa a destravar acordos comerciais, como a União Europeia, que vem fazendo rígidas exigências ambientais para assinar o tratado.
JOÃO GABRIEL, RENATO MACHADO E JULIA CHAIB / Folhapress