BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo trabalha em uma nova estratégia para tirar do papel a construção da Ferrogrão, projeto de 933 km de extensão, previsto para ligar a maior região produtora de soja do país, em Sinop (MT), aos terminas fluviais de Miritituba (PA).
O Ministério dos Transportes estuda uma “oferta casada”, unindo em uma mesma concessão o projeto ferroviário e o trecho da BR-163, estrada que já liga as cidades e que se localiza ao lado do traçado previsto para a construção da ferrovia.
Pela proposta, uma única empresa assumiria as duas estruturas, para consolidar o corredor logístico do agronegócio que mira o escoamento de grãos pela região Norte do país.
Desde 2022, o trecho da rodovia BR-163 entre Sinop e Miritituba é administrado pela concessionária Via Brasil, da empresa Conasa Infraestrutura, de Londrina (PR). Esse contrato tem duração de apenas dez anos, ou seja, encerra-se em 2032.
Como a construção da ferrovia tem prazo estimado de pelo menos oito anos, isso sem incluir a fase de licenciamento ambiental, que pode levar pelo menos dois anos, o governo avalia que a nova concessão da rodovia se torna um atrativo imediato, porque antecipa uma geração de caixa para quem assumir a obra da Ferrogrão.
Entre os modais de transporte, as ferrovias costumam ser as mais difíceis de se viabilizarem financeiramente porque são mais caras, demoram para ser construídas e só passam a gerar receita depois que todo trecho é entregue. É diferente de uma rodovia, por exemplo, em que o concessionário pode inaugurar trechos parciais e passar a cobrar por praças de pedágio.
Com o combo de rodovia e ferrovia, o governo entende que já seria possível leiloar o projeto já em 2025, para que a empresa tocasse o licenciamento e as obras da Ferrogrão, já prevendo uma receita a partir de 2032, quando a ferrovia ainda estaria em obras.
Questionado sobre o assunto, o Ministério dos Transportes confirmou que o assunto está em fase de estudos pelos técnicos da pasta. Potenciais interessados na concessão reagiram bem à proposta.
Há uma década, o governo federal tenta viabilizar o licenciamento da Ferrogrão, mas trava não apenas nas dificuldades de licenciamento do projeto, mas também nos questionamentos sobre a sua viabilidade financeira, devido às dificuldades de traçado e engenharia no meio da região amazônica. A obra, que seria construída em área paralela à BR-163, é estimada hoje em pelo menos R$ 25,2 bilhões, o que faz deste o maior projeto de infraestrutura logística do governo federal.
À ESPERA DO STF
O desfecho da Ferrogrão, projeto que enfrenta forte rejeição de organizações ambientalistas, devido ao potencial de impacto em áreas preservadas da Amazônia, como o Parque Nacional do Jamanxim, depende de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em março de 2021, o processo de licenciamento da ferrovia, que hoje é realizado pelo governo federal, foi paralisado pelo STF ao acatar uma ação que questionava a constitucionalidade de uma lei de 2017, que regularizou as “faixas de domínio” da BR-163 dentro do parque nacional. Em 2023, o Supremo manteve a suspensão, mas liberou a retomada dos estudos da ferrovia.
A reportagem teve acesso à versão mais recente do estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental contratado pelo governo e realizado pela empresa Tetra Mais Consultoria, de São Paulo. A linha principal, conectando Sinop/MT a Itaituba/PA, prevê dois ramais ferroviários, um para Santarenzinho e outro para Itapacurá, no Pará. Há ainda plano de três terminais ferroviários, em Sinop, Matupá (MT) e Miritituba.
Segundo o relatório, todo o traçado da ferrovia segue a lateral da BR-163, com as revisões, e está totalmente fora de área pertencente à unidade de conservação ou terra indígena. “O projeto da Ferrogrão encontra-se dentro da faixa regularizada pela lei”, afirma o estudo técnico. “Fez-se necessária a adoção de raio mínimo admissível para inserir o traçado da Ferrogrão dentro na faixa de domínio da rodovia BR-163, de modo a não ocorrer intervenção no interior do Parque.”
O projeto prevê 81 obras de pontes e viadutos, além de 247 passagens de fauna silvestre, 196 passagens superiores, 150 passagens de veículos e 222 passagens de gado.
O governo acredita na viabilidade econômica de ferrovia e rodovia pertencerem a uma única concessão e também aposta em uma logística de duas vias, com grãos subindo rumo ao Norte, enquanto produtos como fertilizantes e combustíveis poderiam chegar ao Centro-Oeste de forma economicamente viável.
No fim do traçado previsto para a ferrovia já estão em operação os terminais portuários de Miritituba, onde tem início a hidrovia do Tapajós, usada para alcançar o rio Amazonas e seguir para o Atlântico.
Apesar da defesa do governo, estudos realizados pela PUC-RJ apontam fortes impactos ambientais associados à construção da ferrovia, com possível incentivo à ampliação de produção e demandas por terras. Caso nenhuma medida de mitigação seja implementada, as projeções indicam que a obra poderia induzir a um desmatamento de até 2.043 quilômetros quadrados de vegetação nativa. As emissões de carbono decorrentes do desmatamento têm custo estimado em US$ 1,9 bilhão.
ANDRÉ BORGES / Folhapress