SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) admitiu à Justiça que 320 mil alunos do ensino fundamental 1 (do 1º ao 5º ano) estão sem livros didáticos que deveriam ter chegado às escolas estaduais e municipais há uma semana. O material é relativo ao segundo bimestre, que teve início na última segunda (22).
A informação sobre o atraso na entrega foi dada em uma petição pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (responsável por representar o governo estadual na Justiça), como parte do processo em torno da licitação para a impressão dos livros.
Com esse argumento, a gestão Tarcísio conseguiu derrubar uma liminar que, por suspeita de falsificação de documentos, suspendia a assinatura do contrato com a gráfica vencedora de uma licitação de R$ 220 milhões para a impressão de 25,6 milhões de exemplares dos livros.
O pregão foi vencido pela Littere em 1º de fevereiro deste ano, mas o processo licitatório foi conturbado, cheio de reviravoltas. A gráfica Plural, que ficou em segundo lugar na licitação, acusou a vencedora de ter apresentado documentos falsos para atestar a sua capacidade técnica para imprimir a quantidade de exemplares exigida no edital.
A Secretaria da Educação acabou tirando a Littere do processo por atraso na entrega de parte da documentação, e convocou, então, a Plural, uma vez que ela havia ficado em segundo lugar. O contrato entre o governo e a Plural foi assinado em 1º de abril, e a gráfica afirma que, em seguida, iniciou a impressão da primeira leva de livros.
Dias depois, contudo, em 5 de abril, uma nova guinada: a Secretaria da Educação cancelou o contrato com a Plural e reconvocou a Littere. Na decisão sobre essa mudança, no Diário Oficial, o governo cita a “reanálise dos atos administrativos” e a “prerrogativa da administração pública de rever os próprios atos”.
Mas, a essa altura, a Plural disse que já havia impresso todos os livros da primeira encomenda, ou seja, 1,6 milhão de exemplares, a um custo de R$ 14 milhões. Os livros estão empacotados na gráfica.
Sobre esse vaivém de contratos com as duas empresas, a secretaria afirmou à Folha de S.Paulo na última sexta que a Littere havia sido desclassificada “erroneamente” e que havia instaurado uma sindicância para apurar a licitação e afastado os servidores envolvidos.
A Plural conseguiu uma liminar, em 19 de abril, que suspendia a assinatura do contrato entre o governo do Estado e a Littere. Na decisão provisória, o juiz Fausto Seabra, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, mencionou “fortes indícios” de falsificação na documentação apresentada pela Littere.
Na petição encaminhada ao Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo argumentou que a manutenção da decisão anterior implicaria “prejuízo irreparável a aproximadamente 320 mil alunos da rede pública estadual e municipal de ensino, que não contarão com material didático no segundo bimestre de 2024”.
A Procuradoria diz que, “ainda que se considere que também há perigo de dano” à Plural, “é inegável que eventual prejuízo a ela causado poderá ser reparado por indenização, ao contrário do que ocorrerá com os alunos da rede pública de ensino”.
O desembargador Francisco Shintake, da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, que deferiu o pedido para que a liminar fosse derrubada, concordou com o argumento do governo sobre o risco dos alunos com o atraso na entrega no material didático. A decisão, tomada na sexta-feira (26), não analisa o mérito das alegações da Plural no processo judicial sobre a licitação.
O conteúdo desses livros didáticos é elaborado pela Secretaria da Educação, a partir do Currículo Paulista, e se relaciona ao material digital utilizado nas aulas.
A licitação para a impressão dos livros do governo teve três lotes. O primeiro foi esse contestado judicialmente, de R$ 220 milhões, e há ainda o segundo, de quase R$ 163 milhões, e o terceiro, de R$ 128 milhões. No total, serão mais de R$ 511 milhões, para a impressão de 54,8 milhões de exemplares.
A Littere é de Fortaleza, no Ceará, e a Plural fica em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo -até janeiro de 2022, tinha participação acionária do Grupo Folha, mas essa participação foi vendida.
Em nota, na sexta-feira, a Littere negou as acusações a afirmou que já imprimiu os exemplares. “Todos os documentos apresentados pela Littere são legítimos e correspondem aos originais”, afirmou. “Cabe ressaltar que a análise sobre a veracidade de toda documentação apresentada em qualquer processo licitatório é de competência do órgão licitador, e não de um concorrente derrotado”, completou.
Disse que sua capacidade técnica “foi devidamente comprovada, tanto que se consagrou vencedora”. “O edital é rigoroso na comprovação da capacidade técnica e todos os documentos apresentados foram rigorosamente analisados pela comissão de licitação.”
A nota da Secretaria de Educação sobre o caso, na íntegra, foi a seguinte:
“A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo acionou a Controladoria Geral do Estado (CGE) e instaurou uma sindicância para apurar os fatos relativos à licitação. Os servidores envolvidos no certame foram afastados preventivamente. A medida não impacta as atividades acadêmicas dos estudantes, que receberam o material didático para o primeiro semestre do ano letivo antes do início das aulas. Demais materiais estão sendo entregues conforme o cronograma previsto.
Lançada em dezembro de 2023, a licitação para a impressão de livros didáticos contou com a participação de quatro empresas e tinha um valor de referência de R$ 273,4 milhões.
A empresa vencedora apresentou uma proposta de R$ 220,1 milhões, com um desconto de R$ 60 milhões em relação à segunda colocada.
Durante o processo de homologação, a vencedora do certame entregou documentos fora do prazo, sendo desclassificada erroneamente antes que pudesse recorrer da medida. Após essa constatação e a comprovação da capacidade técnica para a execução do serviço, a empresa foi reclassificada e homologada. Até o momento, a Seduc não foi notificada sobre qualquer decisão judicial sobre o caso.”
LAURA MATTOS / Folhapress