Governo Trump aprofunda desafio à Justiça com voos de deportação para El Salvador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo de Donald Trump desafiou novamente a Justiça dos Estados Unidos ao deportar mais de 200 supostos membros de uma gangue venezuelana para El Salvador no fim de semana apesar de ordem que bloqueia temporariamente a medida.

Os voos de deportação com supostos integrantes do Tren de Arágua para o país centro-americano aconteceram no sábado (15), com base em uma lei de 1798 que autoriza a detenção e deportação de estrangeiros dos EUA em períodos de guerra declarada. O governo Trump afirma que a gangue vem “conduzindo uma guerra irregular e tomando ações hostis contra os EUA”.

A medida, no entanto, foi suspensa horas depois pela Justiça federal americana, o que não impediu os voos. “Este governo agiu dentro da lei”, afirmou nesta segunda-feira (17) a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt.

Em audiência sobre o caso nesta segunda-feira, o advogado do Departamento de Justiça Abhishek Kambli se recusou a responder uma série de perguntas do juiz federal de primeira instância James Boasberg dizendo que tinha autorização limitada para compartilhar informações por “razões de segurança nacional”.

Pouco antes da audiência, o governo Trump enviou carta à corte de apelações (tribunal de segunda instância) pedindo que Boasberg fosse removido do caso em razão de “procedimentos altamente incomuns e inadequados”. Os advogados também insistiram, em documento judicial protocolado horas antes da sessão, que não pretendiam providenciar nenhuma informação sobre os voos.

Além de defender a legalidade da ação, o governo do republicano argumenta que os voos já estavam em trânsito e fora dos EUA quando a Justiça deu ordem para interromper as deportações.

A audiência foi convocada por Boasberg justamente para entender a linha do tempo dos voos, além de quantos deles foram feitos, onde eles pousaram, sob que legislação e autoridade os migrantes foram deportados e os horários em que os voos ocorreram. Discussões sobre o mérito da questão ficam para audiência na próxima sexta-feira (21).

O secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou nesta segunda que, caso venezuelanos deportados para El Salvador não sejam membros do Tren de Arágua, o país presidido por Nayib Bukele poderia deportá-los para a Venezuela. Foi uma admissão velada de que o governo americano não tem certeza sobre eventuais crimes dos deportados, ainda que este seja seu principal argumento.

A Casa Branca afirmou que um total de 261 pessoas foram deportadas, incluindo 137 removidas sob a lei do século 18 e mais de cem removidas por meio de procedimentos padrão de imigração. Havia também 23 membros salvadorenhos da gangue MS-13, segundo a porta-voz.

A gestão Trump tem descrito venezuelanos deportados como membros de gangues, monstros ou “terroristas estrangeiros”, mas não costuma fornecer evidências para apoiar suas afirmações. Grupos de direitos humanos como a União Americana para Liberdades Civis (ACLU) criticam o governo por aplicar o rótulo aos imigrantes sem providenciar as evidências de cada caso.

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, um dos principais aliados políticos do ditador Nicolás Maduro, afirmou nesta segunda-feira que os deportados não tiveram direito ao devido processo legal. Segundo ele, Caracas não identifica os deportados como pessoas que teriam cometidos crimes nem nos EUA nem em El Salvador, e o regime fará o possível para levá-los de volta à Venezuela.

“O que está sendo cometido contra os venezuelanos sequestrados em El Salvador e contra os migrantes venezuelanos nos EUA é um crime contra a humanidade”, disse Rodríguez. “Não vale a pena o suposto sonho americano transformado em pesadelo salvadorenho. É um sequestro vulgar o que está ocorrendo.”

No tribunal, no sábado, Boasberg afirmou que quaisquer voos já em rota deveriam retornar aos EUA. No domingo (16), o presidente de salvadorenho, Bukele, publicou no X imagens mostrando homens sendo retirados de um avião no meio da noite. “Ops… tarde demais,” escreveu o controverso líder acima de uma notícia sobre a ordem do juiz bloqueando a ação.

Especialistas em direito ouvidos pela agência de notícias Reuters dizem que a localização do avião era irrelevante para a ordem de bloqueio. Michael Gerhardt, professor de direito constitucional na Escola de Direito da Universidade da Carolina do Norte, afirma que o argumento “beira o absurdo” e é “contrário ao direito constitucional estabelecido”, que sustenta que os funcionários federais estão sujeitos à Constituição, independentemente de onde estejam.

“Um avião do governo em missão governamental não está em uma zona sem leis”, disse Gerhardt. “Se esse não for o caso, então o governo pode simplesmente fazer o que quiser, desde que não esteja mais operando em solo americano.”

Com o Congresso controlado pelo Partido Republicano, que apoia amplamente a agenda de Trump, os juízes federais têm sido a única restrição aos decretos do presidente, suspendendo muitos deles enquanto consideram se a medida é legal ou não. Em alguns casos, grupos ativistas afirmam que o governo está se recusando a cumprir ordens judiciais.

Desde que assumiu o cargo em janeiro, Trump tem tentado empurrar os limites do Executivo, cortando gastos já autorizados pelo Congresso, desmantelando agências federais e demitindo dezenas de milhares de trabalhadores do governo.

Na sexta-feira (14), o republicano foi ao Departamento de Justiça, onde acusou o órgão de persegui-lo na gestão anterior, de Joe Biden, e prometendo investigar o que chamou de abusos e corrupção. Primeiro presidente condenado criminalmente na história do país, Trump também demitiu dez advogados de carreira do órgão que trabalharam nos processos contra ele.

GUILHERME BOTACINI / Folhapress

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