Governo vai criar grupo para tentar explicar sumiço de 223 mil da fila do INSS

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Previdência Social ainda busca explicações para o sumiço de 223 mil requerimentos de benefício inicial da fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O órgão vai criar um grupo de trabalho para examinar o caso.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou duas estatísticas divergentes sobre a fila de pedidos em fase de análise administrativa -quando servidores do órgão verificam o cumprimento de requisitos de cada benefício e a documentação apresentada.

Enquanto um boletim produzido há 27 anos apontou uma fila de 1,42 milhão, o painel chamado “Portal da Transparência Previdenciária”, criado pela atual gestão, indicou uma espera de 1,2 milhão.

As inconsistências também ocorrem nas perícias médicas. Reportagem do jornal Correio Braziliense mostrou diferenças nos dados: enquanto a “Transparência Previdenciária” informou haver 596.699 pedidos de perícia à espera de atendimento em junho, dados obtidos pelo jornal via LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram um número maior, de 1.076.172 solicitações.

Em entrevista coletiva na sexta-feira (1º), o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, disse que o governo ainda não tem uma resposta para a divergência nos pedidos administrativos.

Ele reconheceu ainda que a explicação dada inicialmente pelo órgão à Folha de S.Paulo, que creditava o problema ao uso de diferentes bases de dados, pode não ser suficiente para justificar o ocorrido. “Se há algum erro, nós vamos corrigir”, afirmou.

Segundo Stefanutto, a partir de uma análise preliminar, o governo desconfia que algumas tarefas antigas continuam pendentes no sistema, embora o segurado não esteja mais à espera de análise, por diferentes motivos.

“Não gosto de falar rejeitos que sobraram no sistema, obviamente pode ter requerimento que escapou e é importante. Mas a gente usa o sistema de tarefas há décadas. Imaginamos que [possam ter sido mantidas] tarefas que não eram necessárias ou tarefas desprezadas de 2008, 2007, ou seja, não é uma pessoa que está esperando”, afirmou.

“Não temos certeza ainda disso. Quando tivermos certeza, apresentaremos as evidências”, disse o presidente do INSS.

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, vai editar uma portaria para criar um grupo de trabalho envolvendo a pasta, por meio da secretaria do Regime Geral de Previdência Social, e o INSS para discutir a metodologia de dados e mapear eventuais inconsistências.

A pasta também chamou a pesquisadora Renata Gomes Alcoforado, professora do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), na expectativa de obter contribuições para esse trabalho.

Até o dia 28 de agosto, a fila de requerimentos em análise administrativa caiu a 1,05 milhão. Como o Beps (Boletim Estatístico da Previdência Social) é divulgado com maior defasagem, ainda não é possível saber se a discrepância entre os números continua.

Sobre as perícias, Stefanutto reconheceu que o governo mudou a metodologia de contagem de perícias pendentes.

Em vez de contabilizar tarefas (que podem ser análise administrativa, avaliação social, perícia médica, entre outras), o órgão passou a considerar o número de pessoas à espera de atendimento, independentemente do número de fases a serem cumpridas para concluir o processo.

Como alguns benefícios passam por mais de um tipo de análise, o novo critério gerou uma aparente redução na fila das perícias.

É o caso, por exemplo, do BPC (Benefício de Prestação Continuada) para pessoa com deficiência, que passa por análise administrativa, avaliação social e perícia médica. O governo informou haver, em agosto, 437,4 mil pessoas na fila desse benefício, mas não detalhou o número de tarefas relacionadas.

Em paralelo, a estatística total de perícias médicas aguardando atendimento é de 637,4 mil, número idêntico à fila de perícias para obtenção de auxílio por incapacidade temporária -o único com dados segmentados por tipo de análise pendente.

Em junho, houve a mesma coincidência: a fila de 596,7 mil perícias médicas era o mesmo número de perícias pendentes para o auxílio por incapacidade temporária.

Na prática, o dado das perícias divulgado na “Transparência Previdenciária” contempla apenas um tipo de benefício, embora outros também dependam dessa etapa, como o BPC e a aposentadoria por invalidez.

“Eu não quero mostrar quantas perícias eu tenho para fazer, eu quero mostrar quantos brasileiros tem na minha fila aguardando uma resposta do INSS”, disse Stefanutto na entrevista coletiva.

O cumprimento de tarefas é o critério usado no pagamento de bônus a servidores do INSS e do MPS. A cada análise extra concluída, eles recebem R$ 68,00, no caso de avaliação administrativa, ou R$ 75,00, no caso de perícia médica.

Apesar disso, o governo defendeu a mudança no recorte dos números. “Nós separamos tarefa de pessoas porque o mais importante é saber quantas pessoas estão na fila e há quanto tempo elas estão falando”, afirmou Stefanutto.

“Quantos brasileiros estão esperando? Nem sempre vai ter coincidência no número de tarefas e no número de brasileiros. É como se, numa fila de banco, um estivesse com três boletos, outro com quatro”, acrescentou.

A presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, disse que a criação do grupo de trabalho para avaliar a diferença de números de requerimentos administrativos é importante para melhorar a transparência. Ela se reuniu com técnicos do INSS para discutir a questão nesta segunda-feira (4).

“A base de benefícios é diferente. Eles vão ajustar para alinhar e fornecer dados com mais precisão”, disse. “Há de fato ainda muita coisa a ser feita.”

Para Bramante, o raciocínio do governo de contabilizar pessoas em vez de tarefas é correto, mas ela ponderou que isso não pode ocorrer em detrimento da contabilidade de todas as perícias médicas pendentes de atendimento. “Eles precisam compilar os dados e fornecer uma lista que seja completa e contenha todos os dados”, avaliou.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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