BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio a resistência de líderes da Câmara dos Deputados, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai abrir mão da tributação de fundos em paraísos fiscais (offshores) na MP (medida provisória) que trata do salário mínimo e da correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).
O tema será retomado em um projeto de lei com urgência constitucional (trancando a pauta da Casa em 45 dias), a ser enviado pelo Executivo.
Já a renúncia fiscal com a atualização da tabela do IRPF será compensada por uma outra MP, que tratará da tributação dos fundos exclusivos, voltados à alta renda (chamados super-ricos).
O acerto foi anunciado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nesta terça-feira (22), e confirmado pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, que atua como ministro em exercício durante a viagem de Fernando Haddad à África do Sul.
“Houve acordo para que nós votássemos a MP do salário mínimo e houvesse uma alteração no texto para retirada da parte que trata das offshores, com o compromisso do governo em mandar nova MP dos fundos onshores e dos fundos de capital privado, exclusivos, e um projeto de lei tratando dos fundos offshores”, afirmou Lira.
“Para que a gente, em duas ou três semanas, possa dar o mesmo tom, o mesmo tratamento, o mesmo ritmo para esses fundos, que devem ter a sua taxação, de maneira programada, organizada, para que a gente não tenha corrosão de base como existiu em outros partidos da América Latina”, seguiu o presidente da Câmara.
Lira disse ainda que nem ele nem líderes partidários são “contra taxar qualquer fundo que seja”, mas afirmou que o país “precisa de planejamento”.
Durigan, que se reuniu com Lira e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a saída foi construída com base no diálogo com o Legislativo.
“O debate hoje foi muito construtivo, tanto do ponto de vista dos outros ministérios do governo quanto do ponto de vista do Congresso, para que a gente chegasse a um meio-termo. O Congresso não conseguiu alcançar tratar da regulamentação das offshores, então offshores vão para um projeto de lei para que essa agenda, que é importante para a Fazenda, siga sendo objeto de discussão no Congresso”, afirmou.
A decisão ocorre em meio a um impasse entre o Executivo e a Câmara dos Deputados após a inclusão do texto de uma MP sobre a tributação das offshores, medida para taxar recursos mantidos em paraísos fiscais, em outra medida que trata do salário mínimo.
A antecipação de parte das receitas, por sua vez, deve reduzir o potencial de arrecadação com essa medida em 2024. O governo esperava incluir cerca de R$ 10 bilhões no Orçamento do ano que vem com a tributação de fundos exclusivos, valor que cairá a pouco mais de R$ 7 bilhões, disse Durigan.
Como mostrou a Folha, a tributação das offshores foi o epicentro do atrito entre Lira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Líderes da Casa já planejavam tirar essa taxação do texto, impondo um revés ao governo Lula.
A exclusão da medida, porém, poderia gerar um problema na sanção da correção da tabela do IRPF. Lula teria de vetar a medida, que foi uma promessa de campanha, ou precisaria encontrar outra fonte de compensação, a ser lançada no momento da sanção da nova lei.
Por isso, segundo Durigan, a tributação dos fundos exclusivos será editada via MP, que tem vigência imediata. O texto deve trazer um dispositivo que incentiva os detentores desses recursos a atualizar o patrimônio dos fundos recolhendo uma alíquota reduzida, de 10%, sobre os rendimentos obtidos nos últimos anos.
A inclusão desse trecho servirá, para efeitos legais, como compensação, embora a alíquota final dependa do texto final. A expectativa é arrecadar cerca de R$ 3 bilhões. “É importante dizer, [o percentual está] aberto a negociação tanto com o setor privado quanto com o Congresso”, afirmou.
Hoje, esses fundos não sofrem incidência do chamado “come-cotas”, isto é, tributação semestral sobre o valor dos rendimentos obtidos. O pagamento é feito apenas no resgate dos recursos, o que permite adiar indefinidamente o momento da cobrança.
A tributação das offshores tramita atualmente no Congresso em uma MP que tem validade até 27 de agosto, como compensação à renúncia fiscal gerada pela correção da tabela do IRPF.
Nesta terça, Lira afirmou que “não existe crise” com o governo federal, mas reforçou que não há acordo com o Senado Federal sobre a instalação de comissões mistas e que o Executivo havia se comprometido a enviar projetos de lei com urgência constitucional junto com medidas provisórias –o que não aconteceu.
“Nós precisamos arrumar as nossas contas e nós estamos fazendo um esforço tremendo ajudando o ministro Haddad e a sua equipe para que cumpram as metas do arcabouço fiscal. Não existe crise”, disse Lira.
“O que existiu é que não havia combinação. Nenhum líder soube da transposição que houve de uma MP para outra, quando isso não foi discutido nem com o presidente [do Senado, Rodrigo] Pacheco, nem com o presidente Arthur nem com nenhum líder partidário da Câmara. Não é possível fazer dessa maneira”, completou o presidente da Câmara.
Mais cedo, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que os textos da MP e do PL ainda não foram fechados, mas que eles deverão abordar outras medidas tributárias.
Segundo o parlamentar, o governo está agindo para “construir um entendimento” até quarta-feira (23), na tentativa de votar as medidas provisórias no plenário.
“Tudo tem que ser feito com o máximo de segurança jurídica. Estamos pacificando a Casa e o governo para votarmos as três grandes matérias até amanhã”, disse.
VICTORIA AZEVEDO E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress