MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e o Governo do Pará comunicaram a adoção de medidas para identificação das causas e análise dos impactos da mortandade de peixes na região de várzea do rio Amazonas, em Santarém (PA), após a Folha de S.Paulo mostrar o problema e a dimensão do problema.
A reportagem da Folha de S.Paulo foi publicada nesta segunda-feira (25) e revelou que toneladas de peixes, além de outros animais como jacarés, tartarugas e arraias, morreram em igarapés e canais que servem a sete comunidades, onde vivem 500 famílias.
Pescadores calculam que a mortandade, sem precedentes e em meio a uma seca extrema na região, envolve entre 15 e 20 toneladas de peixes.
No fim da tarde de terça (26), o ministério comandado por Marina Silva (Rede) afirmou, em nota enviada à reportagem, que um navio de pesquisa do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) será usado para a coleta de dados biológicos “para avaliar os impactos da seca na biodiversidade local”.
O navio está na região em auxílio à entrega de cestas básicas a comunidades isoladas pela seca. Igarapés e lagos conectados aos rios Tapajós e Amazonas desapareceram, o que deixou comunidades inteiras sem transporte e sem acesso a serviços e mantimentos básicos.
Na noite de terça, a Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Governo do Pará afirmou à reportagem, também em nota, que determinou o envio de uma equipe do núcleo de monitoramento hidrometeorológico a Santarém, para que seja feito um levantamento de informações sobre a qualidade da água.
O secretário estadual de Meio Ambiente, Raul Protázio, estará em Santarém nesta quarta (27), conforme a nota da secretaria.
“Os dados coletados poderão contribuir para a identificação de possíveis causas da mortandade de peixes observada na região”, disse a pasta do governo do Pará.
Segundo o MMA, a mortandade pode estar relacionada à seca hídrica. “A ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico] já declarou situação de escassez quantitativa de recursos hídricos no trecho baixo do rio Tapajós, entre Itaituba (PA) e Santarém (PA).”
O ministério avalia a realização de uma expedição específica ao local da mortandade de peixes, por meio de avião e barco, para a coleta dos dados necessários.
O biólogo da Semma (Secretaria Municipal de Meio Ambiente) de Santarém que esteve no local onde houve as mortes, Gernardo Queiroz de Oliveira, atribui a tragédia ambiental à falta de oxigênio e à temperatura elevada da água, somadas ao desaparecimento de partes expressivas dos igarapés durante a seca prolongada.
“A média [de temperatura da água] foi de 32°C, enquanto o aceitável é de 28°C”, afirmou. “Quando cai uma chuva, muda rapidamente a temperatura da água.” O choque térmico, com a chuva, também é uma explicação dada para o que ocorre na região.
A reportagem da Folha de S.Paulo esteve no local da mortandade de peixes, jacarés, tartarugas e arraias na sexta (22) e documentou a tragédia ambiental em curso.
Havia um cheiro fétido, quase insuportável e crescente a cada passo, e um mar de moscas, que produziam um forte zumbido. Uma mancha gigante no que restou de um igarapé era composta de animais mortos na superfície, que encobriam a água.
Era um cenário nunca antes visto, pelas proporções, nessa parte da amazônia brasileira, a chamada várzea do rio Amazonas, a 30 minutos de Santarém em um barco com motor de alta potência.
No último dia 11, pescadores da comunidade chamada igarapé do Costa o mesmo nome de um dos cursos dágua da região, que fica bem próximo das casas dos ribeirinhos começaram a notar uma mortandade de peixes que, ao longo dos dias seguintes, ganhou contornos assustadores.
Primeiramente, morreram peixes mais frágeis, como pescada, cujuba e bacuzinho. Depois, peixes com alto valor comercial e bastante consumidos na região, como o surubim. Por fim, os animais mais fortes e resistentes, como a pirapitinga e o gigante pirarucu, símbolo do manejo sustentável na amazônia.
Foi preciso resgatar quelônios que agonizavam em uma água sem vida e levá-los a poças ainda resistentes ao calor inclemente e à ausência de chuvas. Por dias seguidos, essa transferência foi feita por integrantes da comunidade.
No igarapé do Costa, não há mais lago, e o próprio igarapé virou um filete de água. O mesmo ocorreu com outros dois importantes cursos dágua, fundamentais para a subsistência de cerca de 500 famílias de sete comunidades: o igarapé do Pitomba e o canal de Aramanaí.
Pescadores faziam uma corrida contra o tempo para pescar animais ainda vivos no igarapé do Costa, como pirarucus. Dias antes, eles arrastaram toneladas de peixes mortos e dispuseram essa matéria orgânica em diversos montes na margem, para atear fogo em seguida. As carcaças permanecem no lugar.
A sensação de que a mortandade vai prosseguir, com novas ondas de perdas massivas de peixes e outros animais, é inevitável para quem olha para a água. Onde há água há peixes na superfície buscando oxigênio, principalmente acaris; borbulhas espocam em todo o horizonte da água que resta. Em uma poça resistente à seca, aruanãs agonizavam na tentativa por vida.
A região de Santarém está há dias sob densa fumaça, em razão de queimadas na floresta. O prolongamento da seca, sem chuvas, agrava o problema.
As reportagens da série Mudanças Climáticas na Amazônia contam com apoio da Rainforest Foundation Norway.
VINICIUS SASSINE / Folhapress