SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Meia hora de descanso remunerado, aumento de R$ 2,13 no vale-refeição e a perspectiva de novo reajuste salarial, retroativo a maio, foram os itens que decidiram a suspensão da greve de motoristas de ônibus de São Paulo na noite desta terça-feira (3). Esses mesmos termos ficaram em discussão por um mês, em negociações emperradas entre trabalhadores e empresas, para depois serem acertadas em cerca de quatro horas.
Às 18h30, o presidente do Sindmotoristas (sindicato que representa condutores, cobradores, mecânicos e outros funcionários do sistema municipal de ônibus), Edivaldo Santiago, entrou no auditório da entidade diante de um público empolgado com a possibilidade de cruzar os braços, aos gritos de “greve, greve!” em uníssono.
Até ali, a proposta das empresas era conceder apenas um reajuste de 3,6% nos salários, nada mais. Três reuniões entre representantes dos trabalhadores e das empresas já tinham sido realizadas sem que a oferta mudasse. Santiago disse à categoria que não havia alternativa além da paralisação: “Vamos para a greve.”
Após encerrar a reunião, parte da diretoria do Sindmotoristas foi à Câmara Municipal para se encontrar com o presidente da Casa, vereador Milton Leite (União Brasil). Às 22h30 saiu o anúncio de que a greve estava cancelada.
O ponto principal da negociação, na perspectiva dos motoristas, foi a jornada de trabalho. O regime de 6h30 de trabalho e meia hora de descanso remunerado era a regra no transporte de ônibus da cidade até 2016.
Naquele ano, a convenção coletiva da categoria passou a prever o turno de 7h de trabalho, com uma hora de descanso não remunerada, “caso haja viabilidade operacional”.
Esses casos eram exceção até 2020, quando a queda drástica na quantidade de passageiros passou a permitir que mais motoristas fizessem intervalos de uma hora, e o regime de trabalho da maioria dos motoristas mudou.
O sindicato reclama que, com a retorno dos passageiros no pós-pandemia, na prática os intervalos de uma hora não são mais respeitados. Segundo os funcionários, isso ocorre inclusive por falta de viabilidade operacional, já que não haveria espaço nos terminais e nos pontos finais das linhas para muitos ônibus parados no horário de almoço -problema que durante pandemia era mitigado pela frota menor em circulação.
Agora, a promessa é que o item que permitia flexibilidade na jornada de trabalho será retirado da convenção coletiva. O Sindmotoristas também aceitou um reajuste menor do que estava reivindicando para o vale-refeição -eles chegaram a pedir um ticket no valor de R$ 38, mas aceitaram ficar com R$ 35,50.
Outro compromisso anunciado na Câmara é que uma nova recomposição do salário seja calculada em setembro com base no Salariômetro, indicador medido pela Fipe.
A garantia para o acordo foi a palavra de Milton Leite, que conversou com trabalhadores e patrões separadamente. Agendou-se uma nova reunião para a próxima semana, provavelmente com a presença do chefe do Legislativo municipal.
Milton Leite tem ligações conhecidas com empresas de ônibus municipais e, neste ano, teve os sigilos fiscal e bancário quebrados na investigação sobre a possível infiltração do PCC no transporte público da capital.
Promotores do Gaeco (grupo de combate ao crime organizado) afirmam que o presidente da Câmara teve “papel juridicamente relevante na execução dos crimes sob apuração” envolvendo a empresa Transwolff, que sofreu intervenção municipal após se tornar alvo do Ministério Público. Leite diz que colocou seus dados à disposição da investigação e criticou o que chamou de “ilações de terceiros” envolvendo seu nome no caso.
O Sindmotoristas cancelou a greve sem convocar nova assembleia da categoria, apenas enviando os representantes às garagens para conversar com os funcionários e explicar o acordo.
Em paralelo aos termos do acordo, há no TCM (Tribunal de Contas do Município) um estudo em andamento para reposição de perdas salariais na pandemia na ordem de 2,46% -índice calculado com base em dados do Dieese-, por meio de uma mesa técnica que é acompanhada pelos sindicatos patronal e dos trabalhadores.
“Eles sentiram que a categoria não ia dar um passo para trás se não viesse nada do que estava reivindicando”, disse o diretor de organização e relações de trabalho do Sindmotoristas, Nailton Francisco de Souza. Ele afirmou ainda que a diretoria do sindicato estava disposta a desrespeitar a decisão judicial que exigia 100% da frota circulando nos horários de pico.
TULIO KRUSE / Folhapress