SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Frente de Mulheres de Fé divulgou nesta quarta-feira (19) um manifesto pelo arquivamento do PL Antiaborto por Estupro (PL 1904), proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). A intenção é mostrar que há outras vozes dissonantes da chamada bancada evangélica e que ela não deve determinar as políticas públicas nem a legislação nacional.
A frente é formada por mulheres de “variadas igrejas cristãs: evangélicas, católicas romanas, batistas, episcopais anglicanas, presbiterianas, luteranas, metodistas, pentecostais”. O grupo afirma ter integrantes que exercem diversas funções dentro das igrejas, como bispas, pastoras, missionárias e catequistas.
Entre os argumentos, as religiosas apontam que não aceitam que o patriarcado cristão e sexista projete nos corpos das mulheres as suas frustrações e perversões. Afirmam, ainda, que o PL é um disfarce que esconde não a luta em defesa da vida do não nascido, mas a legalização do ódio contra mulheres.
“Temos uma perspectiva de defesa dos direitos sexuais reprodutivos das mulheres desde sempre, é a nossa luta já de muitos anos. Então, a gente não compartilha desse tipo de compreensão que, por exemplo, a bancada evangélica expressa. Por isso, a gente decidiu dizer a nossa opinião a respeito”, diz Lusmarina Campos Garcia, 60, teóloga, pesquisadora, doutora em direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.
Mais de 160 mulheres já assinaram o documento, que será lido em uma manifestação no Congresso Nacional, às 16h desta quarta. Após a leitura, o grupo vai protocolá-lo no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados, na Presidência da República e no STF (Supremo Tribunal Federal).
“A gente vai levar a voz dessas teólogas, pastoras, missionárias, diáconas para as diferentes instâncias de poder para que saibam que há opiniões, inclusive, embasadas teologicamente, biblicamente, a partir dos estudos que a gente tem feito nas últimas décadas. Uma perspectiva calcada, de fato, na teologia, na Bíblia, na fé e nas perspectivas de liberdade que os direitos humanos, a Constituição Brasileira, inclusive, preceituam como fundamentais”, afirma.
“Queremos que essa nossa voz seja ouvida para que a sociedade brasileira e os poderes instituídos saibam que há diferentes perspectivas, ou seja, essa que a bancada evangélica apresenta é uma perspectiva entre outras e, portanto, não deve ser aquela que vai determinar as políticas públicas do país, nem a legislação nacional”, conclui a pastora.
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VEJA OS ARGUMENTOS DA FRENTE DAS MULHERES DE FÉ NO MANIFESTO:
– Exigimos o arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 252.786 meninas/criança, que foram forçadas a dar à luz entre 2010 e 2019 por terem sido abusadas por seus pais, padrastos, tios, sacerdotes, pastores, padres, missionários, primos, vizinhos, avôs, irmãos;
– Exigimos o arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 179.676 meninas negras e das 8.099 meninas indígenas obrigadas a gerar outras crianças, entre 2010 e 2019, porque temos um Estado que nega a elas o direito à infância e à proteção;
– Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque não aceitamos que mulher nenhuma seja encarcerada por interromper uma gravidez. Não consentimos que o patriarcalismo cristão sexista católico e evangélico obrigue o Estado a castigar mulheres e meninas porque projeta em seus corpos sentimentos reprimidos, insatisfações, incoerências, frustrações e perversões;
– Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque temos como referência o Evangelho da liberdade e da justiça para mulheres e homens, crianças e vulneráveis na sociedade. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gálatas 5:1); não permaneceremos sob o jugo da escravidão de um discurso religioso funesto;
– Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque quem estupra despeja a violência no corpo das meninas e das mulheres e não aceitamos que essa violência seja institucionalizada;
– Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque ele é um disfarce que esconde não a luta em defesa da vida do não nascido, mas a legalização do ódio contra mulheres que denunciam as desigualdades, o racismo, a LGTBfobia, o desprezo contra as pessoas pobres. O PL do Estupro e do Estuprador é um PL de morte porque crucifica inocentes;
– Denunciamos as alianças patriarcais entre religião e partidos políticos que negociam nossos direitos em troca de votos;
– Denunciamos sacerdotes, pastores e bispos que abusam de meninas, meninos e mulheres cotidianamente nas igrejas e depois as/os coagem a silenciar. Exigimos que o Estado, ao invés de permutar e se aliar com grupos religiosos, investigue de maneira isenta e sem exceção os religiosos abusadores;
– Repudiamos qualquer Projeto de Lei que retire direitos das mulheres em qualquer âmbito. Não aceitamos que as Convenções e os Tratados Internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro sejam descumpridos e banalizados. Não aceitamos o retrocesso dos direitos humanos assegurados na Constituição Federal de 1988. Estamos vigilantes e organizadas para combater qualquer iniciativa que ameace os direitos adquiridos das mulheres;
– Reivindicamos que a laicidade do Estado se torne princípio inegociável. Não aceitamos mais que profissionais da saúde sejam coagidos e criminalizados por homens que se valem de sua autoridade religiosa para normalizar o ódio às mulheres;
– Reivindicamos que o Estado reavalie seus convênios e acordos com hospitais conveniados com o SUS (Sistema Único de Saúde) e que se negam a realizar procedimentos contraceptivos como a colocação do DIU e a pílula do dia seguinte, valendo-se de dogmas e doutrinas religiosas.
FRANCISCO LIMA NETO / Folhapress