MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A investigação da PF (Polícia Federal) sobre um suposto esquema de créditos de carbono, gerados em terras griladas da União, aponta pagamento de propina a servidores de dois órgãos do governo do Amazonas, repasses a policiais militares de alta patente do estado, influência na PM (Polícia Militar) de Rondônia e corrupção de servidor do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A operação Greenwashing, deflagrada pela PF no último dia 5, resultou na prisão preventiva de três empresários Ricardo Stoppe Júnior, Elcio Aparecido Moço e José Luiz Capelasso e de outras duas pessoas Ricardo Villares Stoppe, filho de Júnior, e Poliana Capelasso, filha de José Luiz.
O grupo Ituxi, com atuação em Lábrea, no sul do Amazonas, é o principal investigado no inquérito da PF em Rondônia. Um dos donos do grupo, Stoppe Júnior é apontado nas investigações como a principal liderança da suposta organização criminosa.
A defesa do grupo Ituxi afirmou que só se manifestará quando tiver acesso à íntegra das investigações.
O governo do Amazonas, por sua vez, disse, em nota, que não compactua com desvio de conduta e ilícitos cometidos por servidores públicos. “As pessoas citadas não fazem parte do governo. O governo reitera seu compromisso com a transparência e prestará toda colaboração necessária à Justiça.”
Também em nota, o Incra afirmou que presta total apoio à investigação e que atende às solicitações feitas para auxiliar na elucidação do caso. “O resultado das apurações fundamentará as medidas administrativas cabíveis no âmbito da autarquia.”
Conforme a polícia, os suspeitos grilaram terras públicas, “esquentaram” madeira ilegal de outros territórios inclusive de uma terra indígena e, a partir da preservação das áreas, geraram créditos de carbono e os venderam a grandes empresas, inclusive multinacionais.
Somente os créditos renderam R$ 180 milhões à suposta organização criminosa, segundo a polícia. Grilagem, “esquentamento” de madeira e créditos de carbono envolveram um montante de R$ 1,6 bilhão, afirmou a PF.
Créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado.
Entre as empresas que compraram créditos do grupo Ituxi, segundo a PF, estão Boeing, Gol, iFood, Toshiba, Itaú, Ecopetrol, Nestlé, Spotify e PwC. A PF diz tratar essas empresas como vítimas.
A decisão da Justiça Federal no Amazonas sobre as prisões preventivas detalha o suposto esquema montado pelos empresários. Ele envolveu pagamentos de propina, suborno de funcionários públicos, cooptação de cartórios e corrupção para viabilizar a grilagem de terras públicas, de acordo com o que consta na decisão.
Para regularização de terras em Apuí, também no sul do Amazonas, houve “fraudes, irregularidades e corrupção de servidores do Incra e Sect/AM”, afirmou a investigação da PF levada em conta pela Justiça.
Sect é a Secretaria das Cidades e Territórios do Estado do Amazonas. O órgão foi usado para “esquentamento” de títulos antigos de seringais, e a grilagem foi possível porque a secretaria emitiu certidões fraudulentas, afirmou a PF. Houve pagamento de propina a integrantes da secretaria com essa finalidade, disse ainda.
Em áudios captados pela polícia, há menção a R$ 255 mil em propina. Os gestores atuaram na secretaria no primeiro mandato do governador Wilson Lima (União Brasil). Um deles constituiu uma empresa de fachada, após a saída da secretaria, para “transferências e saques vultosos em espécie”, conforme a investigação.
No caso da Incra, segundo a PF, há menção a um pagamento de R$ 50 mil a um assistente técnico para aprovação de georreferenciamento de dois seringais. O filho do servidor utilizou empresa de fachada para encobrir pagamentos de propina ao pai, conforme a polícia. Comunicações de operações suspeitas superam R$ 5,5 milhões, cita a investigação.
Áudios enviados por Stoppe Júnior mostram “compra de áreas griladas e atos de corrupção consubstanciados no pagamento de propina a servidores públicos”, como consta na decisão judicial. O objetivo era regularizar dois seringais, Buiuçu e Alvorada, com áreas sobrepostas a uma gleba da União.
Um dos áudios citados é de julho de 2022: “Já foi dinheiro em órgão, já foi dinheiro em Incra, já foi dinheiro em Ipaam, já foi em tudo quanto é canto e nada.”
Ipaam é o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, órgão do governo do estado. A investigação cita uma conversa de 2016, sobre cobrança de dinheiro para pagamento a servidores do Ipaam, “que teriam atuado em prol do grupo criminoso no deslocamento de títulos de áreas rurais”.
A decisão da Justiça Federal menciona ainda episódios envolvendo as PMs do Amazonas e de Rondônia. Há um “poder de infiltração”, reforçado pela “proximidade de Ricardo Stoppe Júnior com as forças policiais”.
Por meio de mensagens, Stoppe Júnior teria feito acordos e pagamentos a policiais militares de alta patente da PM do Amazonas, conforme a PF. Entre esses policiais estariam capitães, tenentes e coronéis, afirmou a polícia. O objetivo, segundo a investigação, era a realização de operação militar na fazenda Ituxi, “favorecendo diretamente os seus interesses”.
Em Rondônia, o empresário “destinou viatura policial” para procurar uma filha desaparecida durante paralisação de caminhoneiros em 2022, conforme relatório citado na decisão da Justiça Federal.
A PM de Rondônia não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A investigação apontou suspeita de corrupção em cartório em Apuí, com finalidade de grilagem das áreas de seringal. Um contrato de parceria chegou a ser firmado com uma cartorária, em 2022, no qual a mulher teria direito a 1% dos créditos de carbono gerados por um dos projetos investigados, segundo a PF.
O esquema investigado envolveu grilagem de áreas da União que somam 538 mil hectares. Uma perícia da PF confirmou que as áreas são terras públicas e que foram avaliadas em R$ 800 milhões. Parte dos terrenos grilados está na Floresta Nacional do Iquiri e em glebas públicas não destinadas.
As fraudes para viabilizar a grilagem se estenderam por mais de dez anos, conforme a polícia. Títulos de propriedade foram duplicados e falsificados, segundo a PF, que afirmou ter ocorrido inserção de dados falsos em sistemas públicos, com participação de servidores e responsáveis técnicos.
Planos de manejo eram usados para esquentar a madeira extraída de territórios que deveriam estar preservados. Com a área original em pé, começaram a surgir os projetos de créditos de carbono, em cima de áreas supostamente griladas.
VINICIUS SASSINE / Folhapress