LONDRES E WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – “Apenas 14% dos católicos sabem como votar alinhados à sua fé. Você é um deles?”, anuncia em letras garrafais o site da organização HLI (vida humana internacional, em português).
A propaganda estimula os eleitores a baixarem um livreto intitulado “Vote como um Católico”, que traz orientações sobre como membros dessa denominação religiosa deveriam se comportar na terça-feira (5), dia da disputa eleitoral entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump pela Presidência dos Estados Unidos.
Em outro site, da ONG Heartbeat International, a mensagem é mais direta: “Vá votar!”. “Toda eleição é importante”, afirma o texto. “E nós vemos a importância crescente da presença do movimento de ajuda à gravidez na conversa política em defesa da vida.”
A HLI e a Heartbeat International são duas das maiores organizações contrárias ao aborto no mundo, e ambas estiveram ligadas à gestão Trump. Em uma eleição disputada, elas fazem parte de uma gama de grupos democratas e republicanos que tentam influenciar eleitores a escolher seu lado.
Exemplificam também como a questão do aborto vem sendo tratada pelos republicanos na primeira eleição desde a queda de Roe vs. Wade, em 2022. O entendimento da Suprema Corte dos EUA que permitia o aborto em território nacional foi revertido por uma maioria conservadora de juízes formada durante a Presidência de Trump.
O tema virou um dos principais da campanha de Kamala, que já afirmou apoiar uma legislação nacional inspirada no precedente para reinstalar o direito perdido. Para o Partido Republicano, que tem a “defesa da vida desde a concepção” como uma das principais bandeiras há décadas, o tema se tornou espinhoso.
“As pesquisas e as urnas têm mostrado repetidamente que o que a maior parte do povo americano quer é a preservação do direito ao aborto”, afirma Alejandra Marks, professora da Universidade Estadual do Novo México.
Em todos os sete estados que já realizaram plebiscitos sobre o tema, a posição pró-aborto prevaleceu. Em 2024, plebiscitos serão colocados nas urnas em dez estados. A expectativa é que o resultado seja negativo para os defensores da proibição.
Essa relutância do eleitorado tem sido refletida no discurso de Trump e seus aliados, e também aparece nas comunicações de organizações como a HLI. Embora seu site anuncie claramente se tratar de um grupo antiaborto, o livreto eleitoral evita tocar no tema nas primeiras páginas.
Em vez disso, faz afirmações como “o eleitor católico deve sempre votar contra o mal intrínseco” e tomar decisões que sempre “protejam a vida”. Apenas no fim, um exercício pede que se compare a posição sobre aborto de cada candidato antes de votar. Para bom entendedor, a mensagem é clara: a orientação do voto católico se alinha a Trump, não a Kamala.
Segundo o Pew Research Center, 20% dos americanos se declaram católicos minoria frente aos evangélicos, mas não desprezível. Historicamente, os católicos estiveram à frente do movimento contrário ao aborto, explica a historiadora Jessica Holland, autora de “A Western History of the Anti-Abortion Movement” (uma história ocidental do movimento antiaborto, em tradução livre).
“No começo, eles tentavam esconder que eram católicos porque existia um sentimento anticatólico, mas a base do movimento e os argumento vieram de lá”, diz Holland.
Em 2024, porém, o eleitorado católico está dividido entre os candidatos, e o aborto aparece apenas como oitava preocupação em pesquisa realizada pelo National Catholic Reporter em sete estados-chave. Por outro lado, cerca de 30% dos eleitores que dizem apoiar o direito ao aborto nesses sete estados afirmam que votarão em Trump, segundo pesquisa Washington Post/Schar School.
Na semana passada, J. D. Vance, o católico vice na chapa de Trump, afirmou que os dois estavam trabalhando para “reconquistar a confiança do povo americano nessa questão”, e insinuou ter apoiado uma amiga que decidiu abortar. Na corrida para o Senado em 2022, ele se afirmava “100% pró-vida” e tinha a erradicação do aborto como ponto central de sua plataforma
Em uma eleição apertada, a presença do eleitor religioso também preocupa os republicanos. De acordo com a Arizona Christian University, cerca de 32 milhões de cristãos que vão à igreja regularmente devem se abster de votar em novembro. Nesse cenário, ainda que o aborto tenha se tornado tema espinhoso para os republicanos, a presença de um eleitorado contrário à pauta é relevante.
Se o livreto sobre o voto católico da HLI adota uma linha mais sutil para mobilizar seus apoiadores, a Heartbeat é direta em seu apelo final. “Votar com seus valores pró-vida e motivar outros a fazer o mesmo é uma forma importante de assegurarmos que o aborto será impensável para as próximas gerações.”
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ANGELA BOLDRINI E FERNANDA PERRIN / Folhapress