Guerra transforma escolas em campos de refugiados com até 4.000 palestinos

Crianças são as principais vítimas da guerra entre Israel e Hamas | Foto: Mohammad Ajjour/UNICEF

Até pouco mais de duas semanas atrás, 300 mil crianças palestinas em Gaza, a faixa de terra no foco da guerra no Oriente Médio, frequentavam mais de 180 escolas mantidas pela ONU.

Desde que o conflito eclodiu, elas estão afastadas das salas de aula —assim como milhares de crianças israelenses, mantidas em casa para sua proteção. Para os menores palestinos, os lugares nos quais antes estudavam se transformaram em abrigos para fugir dos bombardeios.

“Desde o primeiro dia desta guerra, abrimos cerca de 150 abrigos, que são basicamente escolas transformadas em abrigos, para mais de 600 mil pessoas em Gaza”, diz à reportagem Juliette Touma, a diretora de comunicações da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos.

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, virou do avesso a rotina nos campos de refugiados da região, espaços que abrigam milhares de palestinos que não têm um Estado próprio. Existem ao menos 58 espaços do tipo no Oriente Médio com cerca de 6 milhões de palestinos. Em Gaza, que reúne 1,7 milhão de refugiados —cerca de 75% da população local—, são oito campos.

Alguns desses campos, como o de Jabalia e o de Shati (ou Beach), no norte de Gaza —a região que Tel Aviv ameaça invadir por terra e exige que seja esvaziada—, já foram alvos de ataques. Assim como o campo de Khan Yunis, na porção sul do território, onde ainda mais pessoas buscaram abrigos nas últimas duas semanas.

Agora, mesmo as escolas transformaram-se em espécies de campos de refugiados, e com uma superlotação que preocupa os trabalhadores humanitários. Segundo a UNRWA, há abrigos que neste momento hospedam 12 vezes mais pessoas do que sua capacidade permitiria.

Salas de aula normalmente são reservadas para que mulheres e crianças possam descansar, enquanto homens adultos ficam nos pátios das escolas. E as condições de superlotação, diz a ONU, restringem o acesso à assistência básica e fazem proliferar doenças devido às baixas condições de higiene. Em um dos abrigos em Rafah, no sul, 400 pessoas têm de dividir apenas um espaço para banho.

Os abrigos dirigidos pela UNRWA, muitos deles escolas, teriam capacidade para cerca de 1.500 a 2.000 pessoas. A média, no entanto, tem sido de 4.400 palestinos, chegando a quase 20 mil nos lugares com maiores taxas de ocupação.

“Gaza já estava passando por uma crise humanitária muito profunda bem antes dessa guerra”, relata Touma, que falava de Amã, na Jordânia. “Pelo menos 1,2 milhão de pessoas dependiam de assistência alimentar, e 80% viviam na pobreza. As restrições de acesso e movimento já eram muito rígidas devido ao bloqueio [imposto por Israel há mais de dez anos]. A situação já era muito ruim. E a guerra agravou ainda mais.”

Os perfis mais comuns desses deslocados internos são de palestinos que viviam ou não em campos de refugiados e tiveram de fugir de suas casas nessa guerra. Há ao menos 4.600 mulheres grávidas, 37 mil pessoas com doenças crônicas de saúde e 380 recém-nascidos que precisam de atenção médica, segundo a ONU.

“O que está acontecendo agora é um grande teste para a humanidade. E a humanidade está falhando”, segue Touma. “Os meninos e meninas, as mulheres e os idosos, as pessoas comuns, os civis como você e eu: a humanidade está falhando com eles.”

A atual guerra alterou também a dinâmica de muitos outros campos de refugiados no Oriente Médio, como aqueles na Cisjordânia, território palestino ocupado onde a população árabe convive com os assentamentos de colonos judeus.

A ONU afirma que um ataque aéreo das Forças de Defesa de Israel matou dois palestinos e feriu três ao atingir a mesquita al-Ansar no campo de refugiados de Jenin no último domingo (22). O local abriga pelo menos 23 mil pessoas atualmente, segundo as informações da UNRWA. Ainda de acordo com a agência, muitas famílias abandonaram o campo por medo e procuraram abrigo em outras áreas.

Um dia depois, ainda segundo as Nações Unidas, outra operação conduzida por Tel Aviv no campo de Jalazone, perto de Ramallah, deixou dois refugiados palestinos mortos.

A maior parte do campo fica na chamada área B, que, após os históricos Acordos de Oslo, teria uma administração conjunta da Autoridade Nacional Palestina e de Israel. Uma pequena área, no entanto, onde está localizada uma escola para meninos, ocupa a chamada área C, sob controle de Tel Aviv, e fica em frente a um assentamento judaico, “servindo como catalisador para confrontos entre residentes do campo e militares israelenses”, segundo a ONU.

Juliette Touma afirma que esses são exemplos do risco de o conflito em Gaza se tornar regional. “Violência gera violência, e a Cisjordânia tem estado em ebulição há muito tempo.”

“Esperamos um cessar-fogo humanitário o mais rápido possível, para que os refugiados, onde quer que estejam, possam ter um pouco de alívio. Caso contrário, se isso se alastrar, haverá um bloqueio de qualquer perspectiva para a paz e a estabilidade na região.”

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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