Há 50 anos, Ali azarão destronava Foreman em luta icônica do boxe mundial

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mais célebre luta de todos os tempos, a “Rumble in the Jungle” (“Batalha na Selva”, em inglês), duelo no qual um então desacreditado Muhammad Ali vira o jogo e recupera o cinturão de campeão mundial dos pesados sobre o invicto nocauteador George Foreman, no Zaire (atual Congo), completa 50 anos nesta quinta-feira (30).

O duelo, tema do documentário contemplado com o Oscar “Quando Éramos Reis” (1996) e do livro “A Luta”, do badalado Norman Mailer, entre inúmeras outras formas de mídia, não corre o menor risco de perder seu posto, segundo o autor e principal biógrafo de Ali, Thomas Hauser.

“Não haverá outro combate como a ‘Batalha na Selva'”, analisa com exclusividade à Folha Hauser, autor da premiada biografia “Muhammad Ali, His Life and Times” (Sua Vida e Sua Época). “[The Rumble] é um componente central na construção da lenda de Muhammad Ali quando falamos sobre suas realizações dentro do ringue, trata-se da vitória de maior significado para ele.”

Apesar de apontar a relevância e o caráter único da “Rumble in The Jungle”, Hauser faz uma ressalva: Em sua visão, dentro do ringue, existiram combates nos quais Ali mostrou mais qualidades atléticas ou que foram mais parelhas e emocionantes para o público; essa tampouco foi a luta de maior impacto histórico envolvendo ou não Ali.

“O auge de Ali como lutador foi quando era mais jovem [contra Cleveland Wiliams, em 1966, ao expor todo sua condição atlética e reflexos], e o duelo mais dramático, emocionante, do qual participou foi o último da trilogia com Joe Frazier [em 1975, após o qual Ali afirmou que foi “o mais próximo que chegara da morte”]”, explica Hauser.

“Houve lutas mais relevantes no impacto histórico, como Jack Johnson x James Jim Jeffries; Joe Louis x Max Schmeling 2; ou mesmo Ali x Joe Frazeir 1”, prossegue Hauser, que além de autor, foi colunista de uma das principais publicações norte-americanas de pugilismo durante os anos 2000, a “International Boxing Digest”.

Johnson, o primeiro campeão dos pesados negro defendia o cinturão contra Jeffries, a “grande esperança branca”, campeão de enorme prestígio, que retornava invicto da aposentadoria por clamor popular para tentar derrotá-lo.

Na revanche com Schmeling, o americano Louis nocauteou seu antigo algoz, alemão chamado por muitos no período da Segunda Guerra Mundial como “campeão de Hitler”. No primeiro de seus três duelos, o islâmico Ali, crítico da Guerra do Vietnã e do racismo, duelou com Frazier, dono do cinturão mundial e que, segundo seu predecessor, representava o sistema.

A “Rumble in the Jungle” foi a plataforma para Ali, já um dos grandes campeões da história, provavelmente o mais carismático, demonstrar sua genialidade, impressionar quem não era seu fã, ser elevado à condição de lenda, transcender o esporte e se tornar parte da cultura pop.

Ao desembarcar no Zaire, Ali era o grande azarão. Afinal, Foreman havia destruído, de forma rápida e brutal, os dois únicos adversários a terem vencido Ali no boxe profissional.

Foreman impôs seis quedas para vencer Frazier em dois assaltos e pulverizou Ken Norton, também no segundo assalto. Enquanto isso, a aura de Ali havia sofrido golpe por conta das derrotas para essa dupla. O consenso era de que Ali não era o mesmo atleticamente. Houve quem afirmasse temer pela integridade física e pela vida de Ali.

O que se testemunhou foi genialidade pura em ação. Ali soube que não poderia trocar golpes com Foreman, e tampouco tinha mais “pernas” naquele ponto da carreira para “dançar” à sua frente durante 15 assaltos. Criou e utilizou então a tática do “rope-a-dope”, na qual ficava parado, encostado às cordas, esquivando-se das “bombas” de Foreman, enquanto, no processo, o campeão mundial se desgastava e o seu psicológico pouco a pouco derretia.

Para acelerar o desgaste, Ali falava para Foreman que ele não tinha pegada, que errava golpes, que sua situação ficaria ainda pior quando começasse a bailar pelo ringue.

Foreman finalmente foi nocauteado no oitavo assalto, por golpes de Ali, mas também pela exaustão física e mental.

Após a luta, um jubilante Ali deu uma bronca geral por não acreditarem em suas chances e terem feito dele o azarão.

“Eu avisei a vocês, todos meus críticos, que era o maior de todos os tempos quando venci Sonny Liston [por seu primeiro título mundial, em 1965], e eu avisei hoje que não havia deixado de ser o maior de todos os tempos”, criticou. “Jamais digam novamente que serei derrotado, jamais façam de mim o azarão até que eu esteja com 50 anos, então, talvez, pode ser que vocês estejam corretos.”

Tampouco prejudicou o caráter icônico da “Rumble in the Jungle” o fato de Foreman se aposentar poucos anos depois, tornar-se pastor, empresário, ficar conhecido por uma geração por causa do grill que levava seu nome, retornar dez anos depois, amado pelo público e, 20 anos após a derrota para Ali, recuperar seu cinturão e se tornar o mais velho campeão da categoria aos 45 anos.

De 1974 para cá, o boxe produziu campeões dos pesados fenomenais, como Mike Tyson, Evander Holyfield, Lennox Lewis, os irmãos Vitali e Wladimir Klitschko, Tyson Fury etc. Mas nenhuma de suas lutas atingiu o status da “Rumble in the Jungle”. E, segundo Hauser, nem eles e nenhum futuro campeão pesado produzirá um combate que a superará.

“Porque nenhum deles é Muhammad Ali”, justifica Hauser.

Ao ser questionado se a percepção do combate sofrerá mudanças nas próximas décadas, Hauser diz que sim.

“Perdeu-se aquilo que Ali-Foreman representa em termos sociais porque, embora saibam que Ali se sacrificou por seus princípios, as pessoas não entendem quais eram esses princípios”, argumenta Hauser. “Certamente a mensagem de Ali era de tolerância, e não de divisão.”

EDUARDO OHATA / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS