Hábito de acordar cedo pode ser herança dos neandertais

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Os membros madrugadores da nossa espécie talvez devam o hábito de acordar com as galinhas à ancestralidade neandertal, que está presente, em alguma medida, na maior parte das pessoas vivas hoje.

Segundo a hipótese, formulada graças a novas análises do genoma dos neandertais e dos seres humanos modernos, essa característica pode ter ajudado o Homo sapiens a se adaptar a ambientes temperados, nos quais a duração do dia era mais variável ao longo do ano, ao contrário do que acontecia nas regiões natais da nossa espécie na África.

Detalhes sobre a ideia acabam de sair na revista especializada Genome Biology and Evolution. Liderados por John Capra, da Universidade da Califórnia em San Francisco, os cientistas vasculharam os dados de DNA de milhares de pessoas vivas hoje e os compararam com o genoma dos neandertais e de outra espécie extinta de parentes próximos da humanidade, os denisovanos.

Ao que tudo indica, ambas as espécies de hominínios tinham cérebro e comportamento quase tão complexos quanto os do Homo sapiens. Elas desapareceram no fim da Era do Gelo, há cerca de 40 mil anos (ou talvez um pouco mais cedo, no caso dos denisovanos) e evoluíram em regiões temperadas da Europa e da Ásia durante algumas centenas de milênios. Os neandertais viviam mais a oeste, de Portugal até a Ásia Central, enquanto os denisovanos foram encontrados na Sibéria e talvez estivessem distribuídos numa região mais ampla do território asiático.

Antes de se extinguirem, porém (num processo que ainda não é bem compreendido), membros de ambas as espécies se miscigenaram com os primeiros humanos de anatomia moderna que deixaram a África. O legado dos cruzamentos corresponde, hoje, a algo entre 2% e 4% do nosso DNA, que foi herdado desses hominínios (com mais frequência, dos neandertais).

A maior parte dessa herança genômica arcaica não parece ter função específica, e muito do aporte genético de neandertais e denisovanos foi, ao que tudo indica, “peneirado” e eliminado ao longo da evolução mais recente da nossa espécie, talvez por não combinar muito bem com o DNA humano.

Entretanto, também já há pistas de alguns casos de introgressão adaptativa —ou seja, circunstâncias em que adquirir trechos do DNA das espécies hoje extintas facilitou a adaptação dos nossos ancestrais a diversos ambientes e aumentou o sucesso deles na reprodução, espalhando-se assim pela população humana.

Isso parece ter acontecido, por exemplo, no caso de grupos do Tibete, que se adaptaram à vida nas altitudes elevadas do “topo do mundo” graças, em parte, a variantes genéticas vindas dos denisovanos. O novo estudo liderado por John Capra investigou a possibilidade de que isso também tenha acontecido no caso de trechos do DNA associados ao relógio circadiano, ou seja, o sistema do organismo que nos ajuda a acompanhar as variações do dia e da noite.

Em certo sentido, é como achar uma agulha num palheiro, já que ao menos centenas de regiões diferentes do DNA estão envolvidas com esse processo. Nesse balaio entram tanto genes propriamente ditos –ou seja, áreas do DNA que contêm a receita para a produção de uma proteína específica– quanto diferentes regiões regulatórias, que podem ligar ou desligar genes e modular seu funcionamento de diferentes maneiras (levando à produção de mais de uma proteína a partir do mesmo gene, por exemplo).

A equipe de San Francisco verificou, em primeiro lugar, que a introgressão de DNA arcaico no genoma dos seres humanos modernos é superior à média esperada no caso de regiões do DNA associadas ao relógio circadiano. É um possível indício de que, no que diz respeito a essa característica do organismo, a contribuição dos hominínios extintos pode ter sido importante.

“Ao analisarmos esses pedacinhos de DNA, descobrimos uma tendência marcante: muitos deles têm efeitos que predominantemente aumentam a propensão de ser uma pessoa matutina”, explicou Capra em comunicado oficial.

“Essa alteração casa com os efeitos trazidos pela vida em latitudes mais altas [mais distantes do Equador] sobre os relógios circadianos dos animais. Ela provavelmente permite um alinhamento mais rápido do relógio circadiano com mudanças sazonais nos padrões de luz”, acrescentou ele.

Trocando em miúdos, não é que simplesmente “acordar cedo”, seguindo os padrões neandertais, teria sido favorável para os descendentes deles na população de seres humanos de anatomia moderna. O que acontece é que essas variantes de DNA facilitavam a adaptação do organismo das pessoas às mudanças da quantidade de luz nas regiões temperadas, onde o dia pode ser muito longo no verão e muito curto no inverno. Cair da cama logo cedo seria um mero subproduto disso.

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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