O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse, em entrevista divulgada nesta segunda-feira (14), que a Câmara dos Deputados “está com um poder muito grande”, declaração que criou ruído na relação com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), azedou o clima político e obrigou o ministro a dar explicações.
“A Câmara está com um poder muito grande, e ela não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo”, disse Haddad em entrevista ao programa Reconversa, com o jornalista Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde. A gravação foi realizada na noite de sexta-feira (11), mas divulgada somente no início da tarde desta segunda.
Cerca de cinco horas após a declaração vir a público, Haddad desceu à portaria do Ministério da Fazenda para tentar pôr panos quentes na situação, dado o elevado risco de repercussão na agenda econômica. Uma reunião de líderes da Câmara, marcada para tentar destravar a votação do novo arcabouço fiscal, foi cancelada diante do clima desfavorável.
“As minhas declarações foram tomadas como uma crítica à atual legislatura. Na verdade, eu estava fazendo uma reflexão sobre o fim do chamado presidencialismo de coalizão. Nós tínhamos, até os dois primeiros governos Lula, um presidencialismo de coalizão. E isso não foi substituído por uma relação institucional mais estável”, afirmou o ministro.
“Longe de mim querer criticar a atual legislatura. Era uma reflexão justamente para que a gente estabelecesse regras mais estáveis e duráveis, pensando no futuro da relação entre Executivo, Senado e Câmara Federal”, acrescentou.
As declarações de Haddad geraram ruídos também entre os líderes partidários, segundo relatos. Um interlocutor de Lira afirmou que a reunião para tratar do novo arcabouço deverá ocorrer nesta terça-feira (15), “se houver clima” entre os parlamentares.
Além da regra fiscal, a Câmara também será a porta de entrada de boa parte do pacote econômico que Haddad vai enviar até o fim do mês e cuja aprovação é essencial para reequilibrar as contas e chegar ao déficit zero estabelecido como meta para 2024. Nos últimos meses, a boa relação entre Lira e Haddad era vista como um ativo importante para o ministro da Fazenda conseguir avançar em sua pauta. Um ruído agora pode prejudicar os planos da equipe econômica.
A fala do ministro ampliou o incômodo de boa parte dos integrantes do centrão, que já estão irritados com a demora de Lula para definir as trocas nos ministérios e formalizar a entrada de parlamentares do PP e Republicanos no governo.
Diante do receio de esgarçamento na relação com a Câmara, Haddad disse que fez questão de ligar para Lira para desfazer qualquer mal-entendido. Segundo o ministro, o presidente da Câmara foi quem sugeriu que ele fizesse um esclarecimento público.
Os jornalistas foram chamados pela assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda para a declaração do ministro.
“Foi excelente [a ligação]. Ele [Lira] falou: ‘Haddad, talvez caiba um esclarecimento, porque as pessoas estão achando que foi uma crítica pessoal e, à luz de toda a relação que foi estabelecida entre nós, eu gostaria que você esclarecesse'”, disse Haddad.
Aliados do ministro classificaram a declaração como uma derrapada, mas admitem que o ministro não está satisfeito com a demora do presidente da Câmara em pautar o arcabouço fiscal. Ele queria que o projeto tivesse sido aprovado ainda em julho, antes do recesso parlamentar.
Na tentativa de destravar a pauta, Haddad deve receber o relator do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), para uma reunião na tarde desta terça-feira (15), junto com a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e técnicos da área orçamentária.
No programa transmitido mais cedo, o ministro da Fazenda defendeu uma “moderação” no poder exercido atualmente pela Câmara dos Deputados, que ele disse nunca ter visto igual em toda sua vida. “Tem que haver uma moderação aí, que tem que ser construída. [A relação] Ainda não está a mil maravilhas”, afirmou.
Haddad disse também que, numa democracia, “a pessoa não vai ter esse poder para sempre”, sem citar nomes. Ao ser questionado sobre sua relação com Lira, o ministro disse ao jornalista “não pense você que está fácil. “A gente [Haddad e Lira] só aparece sorrindo, mas às vezes é de debates acalorados”, afirmou.
Ainda no programa, Haddad disse que o Brasil saiu do chamado presidencialismo de coalizão e vive hoje “uma coisa estranhíssima que é uma espécie de parlamentarismo sem primeiro-ministro”. “Não tem o primeiro-ministro, ninguém vai calar. E o Executivo está lá, quem vai pagar o pato é o Executivo”, afirmou.
Nas redes sociais, Lira criticou as declarações de Haddad, ainda que sem citá-lo nominalmente. O presidente da Câmara afirmou que “manifestações enviesadas e descontextualizadas não contribuem no processo de diálogo e construção de pontes tão necessário para que o país avance”.
“É equivocado pressupor que a formação de consensos em temáticas sensíveis revela a concentração de poder na figura de quem quer que seja. A formação de maioria política é feita com credibilidade e diálogo permanente com os líderes partidários e os integrantes da Casa”, escreveu Lira no Twitter após Haddad se explicar nesta tarde.
O presidente da Câmara afirmou ainda que a Casa “tem dado sucessivas demonstrações de que é parceira do Brasil, independente do governo de ocasião” e citou a aprovação da PEC da Transição, da Reforma Tributária e do arcabouço fiscal –que voltará a ser analisado no plenário da Câmara após ter sofrido modificações no Senado.
Líder do PT na Casa, Zeca Dirceu (PR), saiu em defesa do correligionário. Ele afirmou que Haddad dispõe de “amplo prestígio” na Câmara, que a fala dele mais cedo já foi esclarecida e que ela “não traz prejuízo algum à boa relação conquistada em sete meses”. “Haddad tem diálogo com todos, recua e avança na hora certa e cumpre acordos”, escreveu o petista.
No programa Reconversa, antes dos ruídos, Haddad disse que fez um acordo com o presidente da Câmara para aprovar a pauta econômica. “O Lira e eu combinamos o seguinte: ‘Olha, tem muito trabalho pela frente, vamos separar o que é governo do que é Estado. Tem coisa que não é para este governo. Tem coisa que ou a gente recupera agora, ou não tem jeito’. E aí ele [Lira] topou, e o Rodrigo Pacheco, que é um senador espetacular, também tem dado uma contribuição enorme”, disse.
Em outro trecho, o petista também criticou as emendas parlamentares. “Eu não sei como resolver esse problema e não sei se tem solução. Mas R$ 40 bilhões de emenda? É 0,4% do PIB. Onde no mundo tem isso?”.
IDIANA TOMAZELLI, JULIA CHAIB, VICTORIA AZEVEDO E STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress