SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Supostos furtos ocorridos nas lojas da rede Havan, comandada pelo empresário Luciano Hang, estão sendo expostos na internet, por meio de vídeos divulgados nas redes sociais . Uma postagem no X, antigo Twitter, feita neste domingo (13), tem mais de 1,3 milhão de visualizações e diversos comentários.
A prática tem sido chamada por Hang de “amostradinhos do mês”, numa referência ao tradicional destaque do varejo para “funcionário do mês”, e também pega carona na trend “amostradinho”, que viralizou na internet ao mostrar situações de risco.
O primeiro vídeo foi postado em setembro no Tik Tok, na conta da Havan, para expor os “amostradinhos de agosto” e tem mais de 16 milhões de visualizações. Os vídeos identificam os suspeitos de furto.
“Quem furtar na Havan será pego e ainda vai ficar famoso!”, diz ele no X. “Confira os amostradinhos de setembro e veja quem foi flagrado roubando nas nossas megalojas”, afirma Hang, em postagem feita no X, em sua conta pessoal.
Procurada pela reportagem, a Havan afirma que, depois da pandemia de Covid-19, percebeu um “aumento significativo de casos de furtos nas lojas, mesmo contando com um sistema de monitoramento 24 horas por dia e uma tecnologia de última geração para identificação de suspeitos e criminosos”.
A rede de lojas diz que aciona a Polícia Militar e tem registrado boletins de ocorrência, mas sem sucesso.
“Por isso, decidimos que vamos expor, mensalmente, em nossas redes sociais, os criminosos que forem flagrados furtando na Havan. A única forma de inibir é a vergonha”, afirma Hang, em nota.
“Temos notado que, mesmo essas pessoas sendo processadas na Justiça, os casos continuam se multiplicando. Isso tem que acabar. As pessoas precisam saber que não ficarão impunes, que o que estão fazendo é crime e serão responsabilizadas por isso.”
Em sua conta no Twitter, Hang afirma que as unidades da rede têm um sistema de segurança de alta tecnologia com inteligência artificial, que tem monitorado os furtos. Com isso, é possível identificar o cidadão ao entrar ou sair da loja, e fazer o cruzamento facial com o momento do furto.
Os crimes registrados no mês de setembro ocorreram em lojas localizadas em cidades nos estados de Paraná, Goiás, Santa Catarina, Maranhão, Alagoas e Paraíba. Segundo a rede, homens e mulheres, sem perceber que estão sendo filmados, aproveitam a distração de funcionários e cometem o crime.
Os itens subtraídos incluem roupas, maquiagens, perfumes e produtos eletroeletrônicos, em embalagens maiores.
Do ponto de vista da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) a prática de expor pessoas na internet sem o consentimento não seria proporcional ao crime cometido por ela, diz Larissa Pigão, advogada especializada em direito digital e proteção de dados pessoais.
“A Havan teria todas as formas de querer restituir [o que foi furtado] na esfera correta, só que ela está desviando e pode estar trazendo um dano ao titular/infrator ao publicar nas redes sociais. A lei tenta poupar o titular”, afirma.
Segundo ela, a empresa tem o direito de fazer a coleta das imagens e o armazenamento, assim como utilizá-las em processos judicias ou inquéritos policiais para restituir o que perdeu. “O que a gente tem que olhar é se a divulgação em rede social não está sendo desproporcional à questão [do furto]”, diz.
“Deveria buscar o reparo do dano, e não a divulgação, porque ele está compensando um dano com outro dano, olho por olho, dente por dente.”
O advogado criminalista Rafael Paiva, professor de direito penal, afirma que a prática de Hang não pode ser punida do ponto de vista criminal, mas pode trazer ações cíveis por conta da exposição da imagem. No entanto, segundo ele, qualquer uma das pessoas que apareça nos vídeos e que decida processá-lo poderia acabar se incriminando por furto, caso ele seja comprovado.
“A exposição não é juridicamente aceitável. Diante da ocorrência de crime de furto que deve ocorrer bastante nas lojas dele, o correto é fornecer imagens para a polícia, para que [as pessoas] sejam julgadas e condenadas”, diz.
O advogado Lucas Maldonado D. Latini, sócio de Maldonado Latini Advogados e especialista em direito digital pela FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que os vídeos podem gerar pedido de indenização por exposição de imagem, em ações abertas tanto pela pessoa exposta quanto pelo Ministério Público.
Segundo ele, processos individuais desse tipo não são necessariamente uma confissão de culpa. Na Justiça, o cidadão pode pedir a retirada do vídeo para a rede de lojas ou para as plataformas de redes sociais, que poderiam ser obrigadas a remover as imagens.
“Eventualmente, se o Ministério Público entender que tem uma violação a direitos difusos, pode entrar com ação como defensor dos direitos coletivos. Mas hoje existe uma controvérsia se as pessoas aceitariam bem ou falariam que o Ministério Público está defendendo bandido”, afirma.
O advogado diz que o âmbito de discussão desse tipo de crime é a polícia e a Justiça, porque os cidadãos têm o direito de se defender. “A gente vive em um mundo em que a imagem fala muito, mas ainda há o direito de a pessoa falar por si, senão, voltaríamos à idade média.”
Segundo a Havan, a divulgação do “amostradinhos do mês” começou em agosto com imagens de casos selecionados, não necessariamente registrados naquele mês. “São selecionados os casos mais evidentes que ocorreram em algumas filiais pelo país”, diz a rede.
O crime de furto está definido no artigo 155 do Código Penal. Quem o comete pode ser condenado à prisão, com penas de um a quatro anos. Para furto qualificado, a pena pode chegar a oito anos de reclusão.
No entanto, há atenuantes que acabam não levando o cidadão à cadeia, como se for réu primário, se furtou item de baixo valor, entre outras definições. A pena pode ser alternativa, e também é possível definir fiança.
Dependendo do valor e da motivação, pode ser considerado furto famélico, quando ocorre para suprir necessidade básica seja de alimento ou de outro tipo de proteção. A prisão ocorre se for feita em flagrante. Caso contrário, é possível responder em liberdade.
Inaugurada em 1986 como uma loja de tecidos, em Brusque (SC), a Havan tem hoje 179 lojas em todo o país e mais de 20 mil funcionários.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress