SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O herói da classificação da Turquia para as quartas de final da Eurocopa da Alemanha pode ser banido do próximo jogo por ter comemorado seu segundo gol na vitória da seleção contra a Áustria fazendo um gesto associado a um grupo neofascista de seu país.
O zagueiro Merih Demiral, famoso por ter marcado o primeiro gol na edição passada do torneio, foi o improvável destaque contra o forte time austríaco, marcando duas vezes na partida realizada na terça (2), que acabou 2 a 1 para os turcos.
No segundo gol, ele celebrou levantando os dois braços e fazendo um gesto com ambas as mãos de forma que elas lembraram a imagem de um lobo. Essa é a saudação do grupo Lobos Cinzentos, uma entidade nacionalista de extrema direita criada na Turquia em 1968 que promove de forma violenta seu ideário.
Entre seus membros esteve Mehmet Ali Agca, o homem que quase matou o papa João Paulo 2 em um atentado em 1981.
Ela tem representação política na Turquia, mas é banida em países como a França. Na Áustria, a rival da terça, ela foi declarada ilegal em 2019 lá, fazer o sinal pode dar uma multa de R$ 24,1 mil.
Na Alemanha, que tem uma rígida legislação contra o universo simbólico da extrema direita devido ao passado nazista, o gesto não é crime e há estimados 15 mil membros do grupo na comunidade turca do país, o maior contingente imigrante local. O Parlamento do país-sede da Euro discute há anos se bane ou não o Lobo Cinzentos.
A Uefa, entidade que rege o futebol europeu, informou nesta quarta (3) que está investigando o caso. Demiral pode ser punido com a suspensão do jogo das quartas contra a Holanda.
Demiral tentou se explicar, sem convencer muito, depois da partida em Leipzig. “Eu tinha uma celebração específica em mente, algo conectado com minha identidade turca. Eu sou incrivelmente orgulhoso de ser turco, e me senti muito orgulhoso depois de marcar. Eu queria expressar isso, e estou feliz de tê-lo feito”, afirmou o zagueiro do saudita Al Ahli.
Segundo ele, ele viu torcedores fazendo o sinal do lobo e quis se unir a eles, o que pode levar a uma investigação secundária da Uefa sobre a torcida.
O governo turco convocou o embaixador da Alemanha no país para protestar contra a apuração. O porta-voz do presidente Recep Tayyip Erdogan, Omer Celik, disse que quem estiver preocupado com racismo deve olhar para a ascensão de partidos radicais na Europa, não para o futebol.
“O símbolo do Lobos Cinzentos feito pelo nosso filho Merih é a mensagem da Turquia para o mundo, e a investigação da Uefa nesse contexto é mal-intencionada e parte de uma cadeia de provocações”, disse o deputado Devlet Bahceli. O caso coincide com o início do julgamento de 22 pessoas pelo assassinato de um antigo líder do grupo extremista, ocorrido em 2022.
A Uefa proíbe manifestações políticas nos estádios, e tem tido problema com as frequentes referências aos grupos de ultras, torcedores fanáticos usualmente associados à extrema direita europeia, na Euro.
A torcida da Romênia, seleção eliminada nas oitavas pela Holanda, levou faixas pedindo liberdade para os ultras do país que foram presos em investigações. Os fãs romenos também provocaram a Ucrânia na faser de grupos ao levar uma bandeira da autoproclamada República Popular de Donetsk, uma das áreas do país invadido por Vladimir Putin que foram anexadas ilegalmente pelo líder russo.
“Os símbolos de extremistas de direita turcos não têm lugar nos nossos estádios”, disse a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser. “É completamente inaceitável usar o futebol como plataforma para o racismo”, completou, lembrando que o Lobos Cinzentos é um grupo considerado sob vigilância no país.
Se não banir Demiral, a Uefa deverá aplicar uma multa à Federação Turca de Futebol. Há um precedente para isso, quando a Fifa multou a Suíça após os jogadores Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri fazerem um gesto imitando a águia albanesa de Kosovo, país de origem deles, após gols contra os sérvios na Copa de 2018.
Após uma guerra em 1999, o território de maioria albanesa de Kosovo entrou em um processo que culminou em sua independência da Sérvia, país já traumatizado pela dissolução da Iugoslávia da qual era o centro, em 2008.
A Uefa já lidou com caso semelhante no mês passado, quando cancelou a credencial do jornalista kosovar Arlind Sadiku por ter feito o gesto da águia durante uma transmissão de um jogo entre Inglaterra e Sérvia.
IGOR GIELOW / Folhapress