SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para o ex-fisiculturista Dorian Yates, 61, sagrar-se campeão de um torneio de fisiculturismo e viver profissionalmente da prática é hoje muito mais fácil do que era 30 anos atrás.
O inglês entrou para a história do fisiculturismo ao vencer por seis vezes consecutivas –entre 1992 e 1997– o Mr. Olympia, a principal competição da modalidade, e também por ter inaugurado a era que ficou conhecida como “mass monster”, de atletas com biótipos gigantescos, muito acima do porte físico padrão que predominava até então.
Atualmente existem diversas categorias em que é possível se especializar para conseguir destaque na modalidade, enquanto nos anos 1990 havia somente uma categoria, argumenta Yates. Há também muito mais conteúdo disponível na internet, com treinadores e nutricionistas disseminando pelas redes sociais boas práticas a qualquer interessado em aprender mais sobre o tema.
Segundo o britânico, os competidores “não dizem mais ‘eu vou competir, eu vou ganhar o Mr. Olympia'”. “Eles dizem ‘nós vamos competir’. Que besteira é essa, cara? É um esporte individual. Para mim, essa é a beleza da modalidade”, afirmou Yates em entrevista por vídeo à reportagem.
“Hoje há mais negócios relacionados, mais pessoas ganhando dinheiro. Antes, o Mr. Olympia era o ápice absoluto do esporte. Hoje não acho que seja.”
Aposentado do fisiculturismo profissional devido a uma série de lesões ligadas aos treinos de alta intensidade, Yates também chama a atenção para os efeitos colaterais que o uso de esteroides pode trazer aos praticantes, em especial às mulheres.
“É muito poderoso ter hormônios masculinos no cérebro de uma mulher, porque faz você se sentir diferente, mais poderosa, mais assertiva, mais forte. Mas, quando você para, é o oposto”, alerta o inglês, que é casado desde 2009 com a fisiculturista brasileira Gal Ferreira Yates.
PERGUNTA - Qual sua avaliação sobre o fisiculturismo praticado atualmente?
DORIAN YATES – Comparado com a época em que eu atuava, a indústria é hoje muito maior, mais ampla. Quando competia, só existia uma categoria no fisiculturismo. Agora são muitas categorias, há mais pessoas competindo, mais pessoas indo para a academia. Mas é diferente porque não é puramente fisiculturismo. Se fosse, no passado era superior.
Por quê?
D. Y. – Porque há muitas opções agora. Se você quisesse ganhar a vida e ser um profissional, era preciso participar de competições, ganhar prêmios, aparecer nas revistas e conseguir patrocínios. Agora, há muitas pessoas que nunca competiram, ganhando dinheiro com aparições nas redes, promovendo-se. É um cenário diferente.
É mais fácil ser fisiculturista hoje?
D. Y. – Há mais informações sobre treinos, sobre esteroides. Você pode ir à internet e encontrar tudo. Antes, eu tinha que ir à biblioteca ou à livraria para comprar um livro sobre nutrição, sobre treinos, e aprender por conta própria. Acho que era mais difícil. Mas, quando as coisas são mais difíceis, a recompensa é maior.
Não é um desenvolvimento positivo que vem ocorrendo na modalidade?
D. Y. – Algumas coisas são boas, outras são ruins. Mais pessoas estão indo para a academia, especialmente mulheres. Isso é bom. Mas o ápice do fisiculturismo está diluído. Agora é muito fácil ser um profissional, conseguir uma licença. Na minha época, era muito difícil ser um profissional. Era mais valioso. Hoje há mais negócios relacionados, mais pessoas ganhando dinheiro. Antes, o Mr. Olympia era o ápice absoluto do esporte. Hoje não acho que seja.
O que o atraiu ao fisiculturismo nos anos 1980?
D. Y. – Sempre tive interesse em condicionamento físico e em me desafiar fisicamente. E, quando praticava, era totalmente individual, não havia treinadores, nutricionistas. Eu era meu próprio treinador, meu próprio nutricionista, meu próprio psicólogo. Então, o que me atraiu no fisiculturismo é que foi uma busca totalmente individual. Agora não, as pessoas têm treinadores, nutricionistas. E não dizem mais ‘eu vou competir, eu vou ganhar o Mr. Olympia’. Elas dizem ‘nós vamos competir’. Que besteira é essa, cara? É um esporte individual. E, para mim, essa é a beleza. Se eu ganhar ou perder, serei eu, 100%.
Como eram sua dieta e rotina de treinos?
D. Y. – Meu treino era de alta intensidade, mas nunca ficava na academia por mais de uma hora. E geralmente não treinava mais do que quatro vezes por semana. Eu treinava muito menos do que a maioria das pessoas, mas treinava de forma muito precisa e intensa. O resto do trabalho é fora da academia, com uma dieta rica em proteína. E, à medida que ficava maior, ingeria até 7.000 calorias por dia, com seis refeições por dia, sete dias por semana.
O uso de esteroides é necessário para se destacar no esporte?
D. Y. – Nunca houve um vencedor do Mr. Olympia que não tenha usado esteroides. Você não pode ser um fisiculturista profissional sem usar esteroides. É impossível.
Como você avalia o preconceito que existe em relação à prática devido ao uso de anabolizantes?
D. Y. – É chato para mim perceber o julgamento das pessoas, ouvir elas dizendo ‘esses caras usam esteroides’. Sim, e daí? Não há um campeão de fisiculturismo desde 1960 que não tenha usado esteroides. Já são 64 anos desde então, é uma história antiga. Mas o cenário atual é diferente daquele de quando comecei. Os esteroides eram conhecidos apenas nas academias, era um mundo muito pequeno. Agora todo o mundo sabe sobre esteroides, está na mídia, e eles são usados por muita gente, na indústria cinematográfica, musical, pessoas que apenas querem parecer melhores na praia. Muitas pessoas estão usando esteroides apenas para fins recreativos, mas elas devem ser cuidadosas, porque há riscos e efeitos colaterais. Vamos ver muitas pessoas com problemas de saúde mental, especialmente as mulheres.
Por que pode afetar mais as mulheres?
D. Y. – Porque os esteroides são derivados de hormônios masculinos. E é muito poderoso ter hormônios masculinos no cérebro de uma mulher, porque faz você se sentir diferente, mais poderosa, mais assertiva, mais forte. Mas, quando você para, é o oposto, você se sente terrível. Então, elas voltam a usar, e isso vai continuar para sempre. É preciso pensar cuidadosamente. Não estou dizendo às pessoas o que fazer, mas elas devem estar cientes da possibilidade de efeitos negativos.
Qual sua avaliação sobre o fisiculturismo praticado no Brasil?
D. Y. – Fiquei surpreso com quantas academias existem no país e com quão grandes elas são. O Brasil tem uma cultura de praia, é importante para as pessoas se sentirem bem e terem um corpo bonito, faz parte da cultura brasileira. Não estou surpreso que o Brasil seja hoje talvez o segundo país com mais competidores de destaque, atrás apenas dos Estados Unidos. O país está se saindo muito bem.
LUCAS BOMBANA / Folhapress