SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O grupo extremista libanês Hizbullah ameaçou, nesta sexta (13), entrar na guerra contra Israel ao lado do Hamas palestino. “Conhecemos nossos deveres perfeitamente. Estamos preparados e prontos, totalmente prontos”, disse o número 2 da entidade, o xeque Naim Qassem.
Ele deu a declaração em Beirute, onde seu chefe, o xeque Hassan Nasrallah, se encontrava com o chanceler Hossein Amirabdollahian, representante do verdadeiro poder por trás do Hizbullah e do Hamas, o Irã.
A escalada retórica acompanha a militar, por parte de Israel, que deu um ultimato a 1,1 milhão dos 2,3 milhões moradores de Gaza para deixar a capital da faixa homônima e outros territórios ao norte dela. A expectativa é de que haja uma invasão terrestre em breve.
Desde que o Hamas disparou a crise, com os brutais ataques terroristas do sábado passado (7), que mataram 1.300 israelenses, o Hizbullah e o Irã têm se colocado a seu lado, embora neguem ter participado da ação para não elevar ainda mais a tensão regional.
Qassem disse que os esforços para evitar isso são inócuos. “Os telefonemas de bastidor entre nós e as grandes potências, países árabes, enviados da ONU, nos dizendo direta e indiretamente para não interferir não terão efeito”, afirmou durante um discurso para apoiadores.
Por evidente, eram palavras para a plateia, mas a tensão é palpável. Nesta sexta, Israel determinou o fechamento do acesso da maior parte de Metula, a cidade mais ao norte do país, junto à fronteira do Líbano e próximo das fazendas de Shebaa, região libanesa anexada por Tel Aviv que é palco de trocas constantes de fogo.
Elas já ocorreram nesta sexta de novo: as IDF (Forças de Defesa de Israel) disseram ter dado tiros de artilharia em resposta a uma explosão no trecho de uma cerca da fronteira com o Líbano. O Hizbullah confirmou ter alvejado quatro posições do Exército israelense ao sul.
Antes, havia sido dado o alerta de uma infiltração de militantes na região, mas ele foi cancelado, não sem antes um posto do Exército regular libanês ser atingido.
Um jornalista da agência de notícias Reuters, Issam Abdallah, foi morto na ação. Inicialmente, a informação divulgada era de que a vítima era da rede qatari Al Jazeera, mas na realidade ao menos dois profissionais da TV foram feridos no mesmo incidente. As vítimas se somam aos pelo menos seis jornalistas palestinos mortos na Faixa de Gaza desde que a guerra eclodiu.
Comentando os incidentes, o porta-voz das IDF Daniel Hagari disse que “a mensagem para o Hizbullah é de que o Estado de Israel olha por 360 graus, para todas as ameaças no Oriente Médio, e onde houver uma, as IDF vão agir”. “Estamos em alerta no norte”, afirmou.
Ao mesmo tempo, embora esteja sob fogo inaudito em Gaza, o Hamas segue em ação na região. Nesta sexta, o sistema de defesa aérea de Haifa, principal cidade do norte israelense, interceptou um foguete palestino de alcance inusual.
Ele foi identificado com um Ayyash-250, que só tinha sido visto em ação uma vez, há alguns anos. Acredita-se que ele seja uma raridade no arsenal do Hamas e tem 250 km de alcance. Nesta guerra, apenas um outro modelo capaz de chegar ao norte, o R160, havia sido empregado.
Ao longo da semana da guerra, houve vários incidentes fronteiriços. Até aqui, como disse o porta-voz Hagari, eles indicam mais uma disposição de mostrar os dentes para o adversário do que outra coisa, mas o risco de a situação espiralar parece real. Parece ser o objetivo do Hamas: galvanizar apoios contra Israel devido à inevitável retaliação, que até aqui já matou 1.900 palestinos, segundo o grupo terrorista sem contar os 1.500 integrantes da facção mortos dentro de Israel.
Para tanto, os Estados Unidos enviaram para a região uma força-tarefa com seu maior e mais moderno porta-aviões, o USS Gerald Ford. Já o Reino Unido anunciou que vai mandar dois navios, aviões-patrulha e uma companhia de fuzileiros navais.
Ambos os aliados pretendem com isso dissuadir rivais de Israel de se envolver na guerra. O recado, claro, é para o Irã, mas Teerã sempre apostou nos grupos que apoia contra o Estado judeu para travar sua guerra.
Com o Hizbullah, a última vez que houve um grande conflito foi em 2006, e o resultado foi um empate, o que foi vendido, com razão, como vitória para os libaneses. De lá para cá, o grupo tornou-se a mais capaz força irregular do Oriente Médio, com talvez 100 mil soldados e até 150 mil foguetes e mísseis. Se entrar na guerra agora, será um problema sério para Israel.
O Irã dá, segundo estimativa do governo americano, cerca de R$ 3,5 bilhões anuais para o Hizbullah, além de apoiar com menos recursos o Hamas, a Jihad Islâmica e outros grupos anti-Israel. Todos contam com apoio da Síria, aliada de Teerã e da Rússia de Vladimir Putin, que interveio militarmente com os iranianos na guerra civil do país árabe e salvou sua ditadura.
Isso dá a noção do cipoal de alianças na região. Não por acaso, Putin já criticou duramente o envolvimento dos EUA com seu porta-aviões, questionando se Joe Biden pretendia atacar o Líbano. E tem subido crescentemente o tom contra a ação israelense em Gaza.
Na quinta (12), um ataque aéreo contra os dois principais aeroportos da Síria, largamente atribuído a, mas não confirmado por Israel, provocou ainda mais tremores na geopolítica local. O Kremlin acusou Tel Aviv de aumentar exponencialmente o risco de uma guerra ampliada. Como a temperatura política foi mantida estável, tudo indica que foi um recado dos israelenses para a Síria não se envolver na crise atual.
Também na quinta, o chanceler Amirabdollahian afirmou que seu país, a Síria, o Hizbullah e o Hamas seguiriam unidos como o “eixo da resistência”, em oposição ao apaziguamento mediado pelos EUA entre Israel e outros países muçulmanos da região.
Além da paz mais histórica com Egito, Jordânia e Autoridade Nacional Palestina, Tel Aviv normalizou a relação com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão em 2020, liberando o caminho para o acordo que interessa, com a potência Arábia Saudita. O arranjo, que visava isolar o Irã e abriu espaço para a China aproximar Teerã de Riad, agora está todo em suspenso pela guerra.
O xeque Nasrallah, que lidera o Hizbullah desde 1992, dez anos depois da fundação do grupo, ainda não se pronunciou sobre o terremoto político-militar em curso.
IGOR GIELOW / Folhapress