Homens deixam muita pele à mostra para combater caretice e padrões de gênero

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Costas nuas, barriga de fora e peitoral quase todo à mostra. É assim que os novos astros do cinema, como Timothée Chalamet e Paul Mescal, têm desfilado nos tapetes vermelhos, opondo-se a itens antes obrigatórios, como terno e gravata. Eles se juntam a cantores como Harry Styles e Lil Nas X, que usam croppeds e macacões vazados em seus shows.

Juntos, esses artistas estão lançando mundo afora uma nova tendência para os homens, que desafiam a ideia tradicional de masculinidade e não se preocupam em parecer viris, potentes e sérios. “Demonstrar sensualidade gerava medo de fragilizar a masculinidade. Mas eles estão saindo dessa prisão”, diz o estilista João Pimenta, especializado em moda masculina.

Mariana Santiloni, da WGSN, maior birô de tendências do mundo, tem uma visão parecida. “A masculinidade tradicional normalmente não prioriza o autocuidado, e o que vemos é a normalização dessa prática”, diz ela.

Outro exemplo é o ator Barry Keoghan, do filme “Saltburn”. Para a estreia da minissérie “Mestres do Ar”, no começo deste ano, o irlandês vestiu um colete que deixava parte de sua barriga à mostra com um decote que expunha seu peito. No Brasil, essa tendência também tem feito adeptos entre os famosos, como João Guilherme, Ícaro Silva e José Loreto.

E a tendência vai além dos tapetes vermelhos. É possível ver esses looks nas ruas. O gerente de marketing Renato Oliveira é um adepto. Segundo ele, roupas curtas e decotadas são uma forma de combater o conservadorismo do país.

“O Brasil é um país muito religioso. Quando a gente mostra o corpo, entramos em conflito com as normas cristãs de não se expor, de não mostrar o corpo para não criar desejo”, diz.

Antes, ele preferia roupas justas, que mostram os contornos do corpo sem exibir a pele, mas agora, principalmente depois de ter se mudado para o centro de São Paulo, “onde as pessoas veem de tudo”, decidiu renovar o guarda-roupa. “Eu não me sentia seguro. Isso veio recentemente, depois que eu me separei. Senti vontade de voltar a usar roupas mais ousadas.”

Apesar disso, Oliveira diz que o estilo ainda gera estranhamento. “Percebo que, para homens héteros, é mais chocante me ver de cropped do que sem camisa.”

Designer de moda e doutor em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica, Mário Queiroz diz que a tendência ganha força porque os homens querem exercer a sensualidade de forma pública. “Ela não está mais restrita. Pode ser algo mais leve e demonstrada no meio da rua.”

Não é a primeira vez que os homens deixam pela à mostra. Quando corriam pelos gramados mexicanos em busca da vitória na Copa do Mundo de 1986, Sócrates, Zico e Falcão usavam shortinhos curtos que terminavam pouco abaixo das nádegas. No mesmo ano, Johnny Depp apareceu cropped no filme “A Hora do Pesadelo”

Mas nos anos seguintes, com o avanço da epidemia de Aids, os homens deixaram de mostrar o corpo dessa forma por terem medo de serem associados à comunidade gay e, consequentemente, à doença, afirma Queiroz.

“Isso diminuiu na medida em que a ciência mostrou que esse medo não fazia o menor sentido”, diz o professor, acrescentando que a internet teve papel importante no processo de libertação do corpo masculino. “Tudo o que a gente veste é resposta a um tempo novo.”

E este é um tempo de superexposição da sensualidade nas redes sociais. “A pornografia está aberta para qualquer um. Hoje, é muito mais fácil ver uma pessoa nua do que antigamente, e a moda acaba absorvendo isso”, ele acrescenta.

Queiroz diz ainda que os homens têm mostrado mais o corpo por influência da moda agênero, que embaralha as definições do que se entende por roupa de homens e de mulher —o que ele, assim como o gerente de marketing Renato Oliveira, considera um processo essencialmente político.

“Estamos falando de um enfrentamento de uma onda direitista e conservadora”, afirma. “É um ato político, porque eles sabem que podem ser molestados na rua por usarem essas roupas, mas decidem usar mesmo assim.”

O influenciador digital Caio Revela, outro adepto da pele à mostra, diz que antes a moda era um motivo de frustração. “Quando era adolescente, me sentia muito frustrado. Via minhas primas comprando roupas coloridas, com brilho, e as roupas masculinas eram muito sem graça”, diz ele, que acumulou 122 mil seguidores no Instagram compartilhando seus looks e experiências.

No caso de Revela, o maior motivo de medo era sofrer represálias por mostrar um corpo “fora do padrão” nas redes sociais. “As pessoas acham que estou querendo chocar. Se você lê os comentários em uma foto de um cara magro usando [cropped] e aqueles nas minhas fotos, a discrepância é muito grande. Eu queria que fosse uma coisa normal, que todo mundo pudesse usar.”

Revela fez sucesso na internet com vídeos em que discute a gordofobia na moda para inspirar as pessoas a usarem o que quiserem, sem sentir vergonha de seus corpos. “Eu me acho bonito, me sinto bem usando croppeds e shorts e entendi que meu corpo não é um impeditivo. Muitas pessoas como eu gostariam de usar coisas diferentes, mas passam a vida tentando emagrecer para isso”, diz.

“Mesmo que você use algo e depois se ache ridículo, essa experimentação é importante. A moda passa muitas mensagens. Uma pessoa fora do padrão usando um cropped é uma imagem transgressora.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI E MATHEUS ROCHA / Folhapress

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