Hormonologia, sem reconhecimento de entidades médicas, se espalha nas redes e tem até congresso

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O 2º Congresso Brasileiro de Hormonologia começou nesta sexta-feira (22) em São Paulo. O evento, que será realizado até sábado (23), terá palestras que prometem abordar as últimas novidades sobre o uso de tratamentos hormonais na saúde.

Segundo instituições médicas, porém, a hormonologia não é uma especialidade. Isso significa que não é prevista no RQE (Registro de Qualificação de Especialidade), que exige residência médica, provas e titulação da associação de classe.

O termo é usado por membros da área da saúde dedicados à prescrição de terapias hormonais como implantes, que foram proibidos e, posteriormente, liberados pela Anvisa, além de injeções e adesivos de liberação hormonal. Na contramão, associações tentam reprimir a atuação de profissionais voltados à área.

De acordo com médicos, termos como “hormonologia” têm sido usados para submeter pacientes a procedimentos arriscados com uso de hormônios, capazes de causar insuficiência cardíaca, renal e agravamento de quadros de depressão e impotência sexual.

Nas redes sociais, terapias hormonais têm prometido ganho de massa muscular, aumento da libido, redução da TPM, queima de gordura e tratamento complementar para doenças como lipedema.

A propaganda de novos produtos e cursos voltados uso de implantes hormonais foi reiteradamente proibido pela Anvisa nesta sexta por meio de uma resolução.

Para coibir o uso indiscriminado, o CFM (Conselho Federal de Medicina) também já havia proibido a utilização para fins estéticos e de performance esportiva em abril deste ano. Especialistas habilitados para uso de hormônios são endocrinologistas, ginecologistas e urologistas, declara o conselho.

De acordo com o médico Luiz Paulo de Souza Pinto, que também é responsável-técnico pelo congresso, o evento é um espaço para networking e estudo. À reportagem, o profissional diz que alerta os pacientes sobre os riscos hormonais. “No meu perfil está escrito em caixa alta que eu não sou endocrinologista”. Segundo ele, a hormonologia não precisa ser uma especialidade médica. Seria uma forma de designar “o estudo dos hormônios”, afirma.

Pinto diz que aprendeu a ministrar hormônios com artigos científicos. “Todo médico tem capacidade de fazer isso”, diz. “Tendo capacidade de interpretação, de leitura, com conhecimentos que adquiri em seis anos de faculdade de medicina, eu posso me aprofundar numa área estudando por artigos científicos.”

O médico é sócio e representante legal da Health Innovation, uma holding financeira que tem como sócia a empresa Bio Meds Brasil, farmacêutica registrada no ramo de medicamentos manipulados e não manipulados com sede em Florianópolis. Ele afirma que não há conflito de interesse em recomendar hormônios e ser sócio de uma farmacêutica voltada a implantes subcutâneos.

Em junho, o CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná), onde possui registro, suspendeu sua licença de trabalho por 30 dias por infração ao código de ética médica. O motivo está sob sigilo.

A Associação Brasileira de Hormonologia (Asbrah), mesma organizadora do congresso, também oferece uma pós-graduação em hormonologia. Feito à distância, o curso é oferecido pela Faculdade de Governança, Engenharia e Educação de São Paulo. A instituição de ensino foi criada em 2019, com sede no município de Avaré, a cerca de 260 km da capital paulista.

Para o médico Paulo Miranda, presidente da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), os cursos são usados para prescrever anabolizantes e fazer um acréscimo perigoso de hormônios entre pacientes. Em especial, a de testosterona para mulheres jovens. “Não existe a condição clínica de ‘baixa testosterona em mulher'”, declara.

Segundo ele, o uso pode causar problemas cardíacos, insuficiência renal, trombose, perda de cabelo, inflamação clitoriana, engrossamento da voz e aumento da agressividade. Nos homens, a testosterona extra tem efeito contrário: o organismo pode parar a produção natural.

“Eles [da hormonologia] usam nomes de cunho de marketing para angariar pacientes que entendem que aquele nome é uma novidade, mas que nada mais é do que uma reformulação de propostas já abandonadas pela ciência com único objetivo de confundir as pessoas”, diz o médico.

A presidente da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), Maria Celeste Osório, afirma que injeções, chips e adesivos são feitos em farmácias de manipulação de “forma industrial”, sem estudos de segurança sobre o conteúdo das fórmulas e inspeção adequada da Anvisa.

A aplicação de um só implante com testosterona pode chegar a R$ 5 mil, afirma. O uso de doses moderadas do hormônio tem sido recomendado apenas para mulheres na pós-menopausa, para lidar com sintomas como desejo sexual hipoativo, e a indicação só é feita após exame clínicos e laboratoriais. “Mulher jovem não precisa nunca [de testosterona]”, reforça.

Outros usos comuns entre mulheres são para o tratamento de hipotireoidismo e indução do parto. Na infância, o hormônio do crescimento também é receitado para problemas de formação.

Já a engenheira biomédica e CEO da farmacêutica BioMeds, Izabelle Gindri, afirma que há uma “distorção da realidade a respeito da forma com que esses produtos são preparados”.

“A regulamentação vem do próprio Conselho Federal de Medicina. A gente não pode fazer propaganda de produto, mas nunca pôde, isso é algo que é dentro do setor de medicamentos”, acrescenta.

Mais de 30 sociedades médicas enviaram cartas, promoveram reuniões e enviaram sugestões de regulação para a prescrição de hormônios e a restrição de cursos livres para ensino do uso de hormônios desde dezembro do ano passado. O caso está sob análise da agência reguladora.

Em nota, o MEC (Ministério da Educação) afirma que as universidades têm autonomia para oferecer cursos de pós-graduação sem autorização do ministério. O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), onde fica a sede da faculdade, também afirma não reconhecer a “hormonologia” como uma especialidade médica.

MARCOS CANDIDO / Folhapress

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