SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cirurgias e procedimentos eletivos suspensos, abastecimento de água por caminhões pipa, dificuldade para recebimento de oxigênio e alimentos, funcionários dormindo nos locais de trabalho porque suas casas estão debaixo dágua.
Esse é o cenário de hospitais do Rio Grande do Sul, que ainda contabilizam os prejuízos causados pelas fortes chuvas que atingem a região ao longo da última semana. Há ao menos 400 mil pontos sem energia e 500 mil sem água no estado.
De acordo com a Secretaria de Saúde gaúcha, 140 serviços de saúde, entre hospitais e outras unidades, foram afetados pelas inundações, o que vai demandar um grande projeto de reconstrução e reaparelhamento dos equipamentos perdidos.
“Alguns já estão reiniciando, mas muitos tiveram perdas grandes”, diz Bruno Naundorf, diretor do departamento de auditoria da secretaria e que faz parte do gabinete de crise do estado.
Segundo ele, um dos grandes entraves ainda é de logística, em razão de estradas bloqueadas e municípios isolados. Nesta quarta (8), havia ao menos 140 pontos de bloqueio, sendo que 120 já tinham sido liberados. “Há dificuldade para garantir o acesso de medicamentos, oxigênio, insumos aos hospitais e unidades de saúde”, diz.
Pacientes em situações de urgência, como gestantes próximas ao parto e aqueles que necessitam de sessões de diálise e que estavam isolados, foram transferidos de helicóptero até cidades mais próximas com estrutura para recebê-los.
De acordo com levantamento preliminar da Fehosul, federação que reúne os estabelecimentos de saúde do Rio Grande do Sul, ao menos 20 hospitais foram severamente atingidos pelas chuvas, sendo que dois, o privado Mãe de Deus, em Porto Alegre, e o municipal de Canoas, continuam totalmente fechados.
Mesmo os hospitais não afetados diretamente pelas inundações estão sofrendo com o desabastecimento de água, com problemas com energia elétrica e com a falta de funcionários, que tiveram suas casas inundadas e/ou que perderam familiares na tragédia. Por isso, todos eles restringiram o atendimento a casos de urgência e emergência.
Em encontro com a ministra Nísia Trindade (Saúde) e a secretária de Estado da Saúde, Arita Bergmann, nesta terça (7), a Fehosul e outras entidades e lideranças da saúde solicitaram um valor de custeio emergencial equivalente a seis meses de faturamento integral para os hospitais gaúchos que trabalham com o SUS a quantia ainda não está definida.
Assim como ocorreu durante a pandemia de Covid-19, as instituições que prestam serviços ao SUS também pedem que as metas quantitativas e qualitativas previstas em contrato sejam dispensadas por um período a ser negociado.
Solicitaram ainda que, a médio prazo, haja ajuda para a recuperação ou substituição de equipamentos e mobiliários danificados nas inundações.
Os hospitais também pedem que haja uma sensibilização por parte das instituições financeiras públicas e privadas para repactuação dos contratos de empréstimos e financiamentos, com um prazo de carência prolongado.
Outras medidas discutidas foram a facilitação do envio de oxigênio, medicamentos e insumos, e a ampliação dos serviços e unidades de saúde mental para a população que perdeu familiares, amigos e bens como moradia.
Instituição privada com 400 leitos, o Mãe de Deus teve que ser evacuado após a inundação atingir o subsolo e inundar os poços dos elevadores. A maior parte das pacientes internados foi para o Moinhos de Vento, também na capital. No Moinhos, cerca de cem funcionários perderam tudo nas enchentes estão alojados no próprio hospital.
Após a inundação, os funcionários do Mãe de Deus chegaram a ser transportados em um jipe de guerra de um colecionador. “O hospital ficou ilhado. Na beira do prédio, tinha um metro de profundidade de água”, diz Henri Siegert Chazan, presidente do Sindicato dos Hospitais e Clínicas de Porto Alegre, que ajudou no resgate.
Segundo ele, o meio de transporte também foi utilizado para resgatar remédios oncológicos que necessitam de refrigeração e haviam ficado em uma geladeira. O local ficou sem energia elétrica.
Com o adiamento das cirurgias eletivas, Chazan afirma que os hospitais privados já estão preocupados com a queda de faturamento. “Eles não têm um colchão e não podem ficar meses sem faturamento.”
No Hospital Oftalmológico Diaglaser, de Porto Alegre, por exemplo, 250 cirurgias foram suspensas na última semana por consequências das chuvas. Apenas três de emergência, entre elas um transplante de córnea, foram realizadas.
“As estruturas privadas vão enfrentar situações de extrema dificuldade na retomada desses atendimentos e é preciso que se olhe também para esse setor”, diz Fernando Lorenz de Azevedo, proprietário da Diaglaser.
No hospital municipal de Canoas, os pacientes foram transferidos para outras duas instituições, o universitário da Ulbra e Nossa Senhora das Graças. Quase metade dos 300 mil moradores da cidade está desabrigada.
“O hospital foi 100% evacuado e ainda está debaixo dágua. O universitário aumentou de 300 para 500 o número leitos e o outro está servindo de porta de entrada para o sistema e está bem sobrecarregado”, diz Fernando Torelly, superintendente do HCor, de São Paulo, que esteve em Canoas nesta quarta (8).
Ele participa de uma missão humanitária para identificar os principais gargalos da saúde no município e para a arrecadação e envio de doações. O Hospital Alemão Oswaldo Cruz e um grupo de empresas também participam da iniciativa.
Segundo Torelly, das quatro UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) da cidade, apenas uma está funcionado. Das 27 UBS (Unidades Básicas de Saúde), 19 ainda estão inundadas.
“É tragédia humanitária. A cidade não tem água. Os hospitais estão fazendo só urgência e emergência e suspendendo visitas para fazer o racionamento de água. A energia também não foi restabelecida em grande parte da cidade por questão de segurança”, diz.
Torelly afirma que ainda não há estimativas de prejuízos financeiros. “A operação ainda é de resgate de pessoas. O rio ainda não desceu.”
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress