Hotéis do PCC funcionam como referência para a escolha de ruas ocupadas pela cracolândia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há pouco mais de dois anos, as ruas no entorno da praça Júlio Prestes, no centro de São Paulo, ocupadas ao longo de mais de três décadas por aglomerações de usuários de drogas, amanheceram vazias, e, da noite para o dia, a praça Princesa Isabel se tornou o novo endereço da cracolândia na capital.

De lá para cá, ao menos oito vias da região foram tomadas, em momentos diferentes, por dependentes químicos e traficantes. Em comum, os locais escolhidos ficam próximos a hotéis clandestinos mantidos por pessoas ligadas à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que comanda o tráfico de drogas no centro da capital.

As informações foram cruzadas pelo Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico da Polícia Civil (o Denarc) para embasar investigação que identificou ao menos dez pessoas integrantes do esquema de revezamento no comando dos hotéis a serviço do crime organizado.

“Não tem como existir a cracolândia sem as hospedarias”, diz o delegado Fernando Santiago, da 4ª Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes do Denarc, responsável pelas investigações.

A praça Princesa Isabel, por exemplo, fica a cerca de 160 metros de distância de duas hospedarias adquiridas pelo grupo um mês antes da cracolândia mudar de endereço e se fixar na praça. Entre elas, dois imóveis emparedados em ação da prefeitura cerca de cinco meses antes da movimentação que desalojou a cracolândia do entorno da praça Júlio Prestes.

Segundo ele, esses imóveis servem como esconderijo de drogas, ponto de encontro de traficantes e locais de reuniões do chamado tribunal do crime, uma espécie de sistema paralelo de Justiça mantido pelo crime organizado.

O inquérito apontou Marcelo Carames, o Mau, integrante do PCC, como o líder do esquema hoteleiro na cracolândia. A reportagem não conseguiu contato com a defesa.

Os mesmos acusados também são apontados como responsáveis pela aquisição de outras duas hospedarias na avenida São João, próximas ao cruzamento com as ruas Helvétia e Frederico Steidel.

Foi para lá que os dependentes químicos migraram após ação policial que esvaziou a praça Princesa Isabel, dois meses após ter sido tomada pelo tráfico.

Após dispersão pelas ruas do centro, a cracolândia voltou a se fixar em um único ponto, na rua dos Gusmões, entre a avenida Rio Branco e a rua dos Protestantes.

Mais uma vez a investigação apontou se tratar de uma escolha estratégica. Foram identificados três hotéis e um ferro-velho ligados ao PCC nos quarteirões próximos. Um deles foi adquirido por Carames 26 dias antes da cracolândia migrar para a rua dos Gusmões, em junho de 2022. O local foi batizado com o mesmo nome da pensão que ele manteve por anos próximo ao fluxo, na alameda Dino Bueno: Paraíso.

O delegado Santiago explica que a proximidade da cracolândia dos hotéis é estratégica porque permite que grandes quantidades de entorpecentes armazenadas nesses locais sejam distribuídas em pequenas porções pelos chamados vapores, geralmente, dependentes químicos que transportam e negociam a droga em troca de pedras de crack.

Os vapores, por sua vez, obtêm as porções em esconderijos estratégicos perto dos hotéis, como galerias de esgoto, buracos em paredes e lixeiras. “Se for pego, pode alegar ser usuário pela pouca quantidade portada e é liberado”, diz o delegado.

Além disso, o método de funcionamento dos hotéis, onde os frequentadores não se identificam e nem apresentam documentos, facilita a atividade ilícita, segundo o delegado Santiago. “Há uma alternância de ocupação e de gerência desses endereços muito grande, o que torna a elaboração de mandados de apreensão quase inviável porque é preciso identificar o acusado e o endereço”, explica o delegado.

As investigações do Denarc foram iniciadas em junho de 2023 e determinaram o fechamento de 28 hotéis em junho deste ano durante operação policial.

Parte das informações foi citada em denúncia do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco), do Ministério Público, que embasou megaoperação policial deflagrada na região central no início deste mês.

Na ocasião, foi decretada a interdição de 44 imóveis, a maioria pensões e hotéis clandestinos nas ruas ocupadas pela cracolândia por décadas, como a alameda Barão de Piracicaba, onde ficam ao menos seis estabelecimentos alvos da operação.

Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), responsável pelo emparedamento dos hotéis usados pelo crime organizado, afirmou que todos os endereços foram lacrados por agentes municipais. “O descumprimento de ordem judicial levará à nova interdição, e o responsável pelo estabelecimento será levado para o Distrito Policial”, diz trecho.

Segundo o delegado do Denarc, a Justiça negou a manutenção dos pedidos de prisão do grupo criminoso ligado aos imóveis investigados no entorno da cracolândia. “Pela lei, a prisão preventiva só acontece no fim do inquérito policial”, diz ele, que segue com as investigações.

MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress

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