SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Conhecido pelos personagens charmosos e carismáticos, Hugh Grant, 64, aparece bem mais sombrio do que de costume em “Herege”, em cartaz nos cinemas brasileiros. No filme de terror, ele interpreta Reed, um homem que recebe duas missionárias mórmons em casa e acaba se mostrando bem mais perigoso do que aparentava a princípio.
“Bem, não é como se eu de repente tivesse passado da comédia romântica para isso, sabe? Não tenho sido um cara tão legal em filmes há cerca de uma década”, diz o astro de “Quatro Casamentos e Um Funeral” (1994) e “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999) em bate-papo com a imprensa internacional, do qual o F5 participou. “Já fui várias formas de aberração: monstro, esquisito ou até assassino.”
O britânico diz que não procurou ativamente se afastar dos tipos que marcaram o começo de sua carreira, mas também não está reclamando. “Em parte, isso aconteceu porque é esse tipo de papel que me oferecem agora que meu rosto parece uma bunda caída”, brinca. “Se tivessem me perguntado lá atrás no que eu era bom, teria dito que nesses tipos mais estranhos. Estou muito mais feliz criando pessoas que acho que são completamente diferentes de mim.”
Mesmo assim, não quer dizer que o carisma do ator seja completamente subaproveitado agora, inclusive como Reed. “Coloquei ênfase no charme genuíno e caloroso logo no início do filme, quando abro a porta, porque não podíamos ter a plateia do cinema achando que essas duas garotas eram idiotas por entrarem na casa dele”, conta. “Depois disso, espero que seja um tipo de charme mais disfarçado, daquele tipo que percebemos que há algo não muito agradável sendo cozido por baixo.”
pesar de saber da potência do gênero (“é um presente para os cineastas talentosos”), o ator diz que não é o maior entusiasta dos filmes de terror. Isso porque sente muito medo do que vê na tela. “Bem, eu tenho problema com eles por causa do meu terror pelo diabo e pelos espíritos malignos. Então, não posso dizer que sou um especialista”, afirma.
Como assim? Quer dizer que Hugh Grant tem medo do sobrenatural? “A última coisa no mundo em que quero acreditar é em fantasmas ou em outra dimensão, porque já não consigo lidar nem com as dimensões que temos”, ri. “Mas eu vi, em uma situação muito clichê, um fantasma em um castelo no norte da Inglaterra no meio da noite. E, se alguém tem dúvida sobre isso, eu estava sóbrio.”
E não para por aí. “Tenho muito medo do diabo também”, prossegue, dizendo ter ficado impressionado ao ler “O Exorcista” ainda na infância, apesar dos protestos de sua mãe. “O diabo me assombra em meus sonhos periodicamente desde então. Uma vez a cada dois meses, ele vem para mim. É horrível. E, aparentemente, quando estou tendo meu sonho com o diabo, faço um som muito pouco masculino, segundo minha esposa.”
Esse foi um dos motivos pelos quais o ator preferiu abordar seu personagem em “Herege” a partir do humor. “Tento empurrar a ideia de que ele acredita engraçado, mesmo que as outras pessoas não estejam achando”, analisa. “Pensei que isso o tornaria mais agradável e o horror ainda mais horrível, devido ao contraste que isso causa.”
Além disso, diz, “é divertido ser alguém realmente tão cruel”. Tanto que, muitas vezes, os atores (e o público também, diga-se) preferem tipos assim aos mocinhos da história. “Acho que isso significa que somos todos basicamente bestas profundamente cruéis e vis, com uma fina camada de civilização sobre nós”, filosofa.
Meticuloso, o ator diz que normalmente cria uma biografia de seus personagens, com motivações, pensamentos e sentimentos que acredita que aquela pessoa teve ao longo da vida. No caso de Reed, ele diz que o material chegou a cerca de uma centena de páginas. Além disso, sua pesquisa abarcou temas como assassinos em série, líderes de cultos e ateísmo.
“Eu criei teorias sobre por que Reed obtinha prazer em desorientar, confundir e aterrorizar essas garotas”, revela. “Provavelmente, ele tem uma história infeliz com as mulheres, nunca foi muito bem-sucedido com elas. E o que ele faz é uma espécie de vingança ou compensação para desestabilizá-las, preocupá-las, escravizá-las.”
Só não queira saber se ele acredita que há um significado oculto na trama. “Suponho que sim. Eu odeio mensagens”, diz. “Não acho que qualquer obra fictícia deveria ter uma mensagem. Se você quer passar uma mensagem, ou marcar uma posição política ou social, há muitos outros meios de se fazer isso. A narrativa criativa deve ser apenas isso, deve ser apenas criativa e deve apenas estar lá.”
VITOR MORENO / Folhapress