SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A inteligência artificial é apenas mais uma forma de manipular as pessoas por meio da internet, avalia Douglas Rushkoff, 62, escritor e professor de estudos midiáticos e economia digital na City University of New York.
Para Rushkoff, a formação do atual capitalismo sob demanda começou com a invenção do cookie, mecanismo para extrair e armazenar dados de usuários de um site. Esse foi o passo primordial para criar publicidade personalizada, a principal fonte de receita de Google, Meta e outras marcas trilionárias. A IA seria o atual desdobramento desse modelo de negócios.
Por trás dessa economia, está um mundo em crise climática e social. Sinal disso são os planos de grandes acionistas das próprias gigantes da internet para fugir da Terra.
Bilionários conhecidos como Elon Musk (Testa e X, ex-Twitter) e Jeff Bezos (Amazon) investem em projetos de colonização humana de Marte. Um dos primeiros acionistas do Facebook e cofundador da plataforma de pagamentos Paypal, Peter Thiel, também coloca seu dinheiro na construção de um sistema de bunkers na Nova Zelândia.
Rushkoff tem conhecimento sobre o tema, já que, por sua fama como escritor de tecnologia, fora procurado por cinco super-ricos anônimos com questões sobre a melhor forma de escapar de um cataclismo. O autor relata a experiência em seu último livro, “Survival of the Richest: Escape Fantasies of the Tech Billionaires” (Sobrevivência dos Mais Ricos: Fantasias de Fuga dos Bilionários da Tecnologia), de 2022, ainda sem tradução no Brasil.
Desde então, Rushkoff ministra palestras em que tenta dissuadir bilionários de seus planos de fuga, com o argumento de que não existem alternativas fora do “nosso planeta”. “Esses mega-empreendedores só percebem a gravidade da situação quando um incêndio florestal chega à casa deles em Malibu (Califórnia) ou a filha deles tem alguma doença rara por conta do tempo anormal”, afirma o escritor.
O teórico da tecnologia trabalha também para convencer os futuros empreendedores de que eles não precisam ser bilionários. “Vou muito a escolas de negócios e sempre começo perguntando quem ficaria satisfeito com US$ 50 milhões (R$ 248,8 milhões). Ninguém levanta a mão. E ninguém precisa de mais do que isso, há riqueza o suficiente no mundo para as próximas centenas de anos, o problema está na distribuição.”
Rushkoff, que ministra palestra no evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo (capital), na próxima segunda-feira (11), concedeu entrevista à Folha por videoconferência de dentro de seu carro em Nova York. O escritor havia perdido a hora em um evento no qual era palestrante, não chegaria em casa no horário marcado com a reportagem e parou no estacionamento de um restaurante de fast food Shake Shack.
Ele diz ser muito procurado por empresas de países em desenvolvimento que querem ouvir dicas de como se tornar o próximo Google ou a próxima Apple, o que seria um contrassenso, já que o autor escreveu 20 livros e recebeu prêmios com base em suas críticas à atual economia digital. “Parece que não conhecem muito sobre mim.”
O escritor busca, entretanto, interlocução com os super-ricos por se afirmar cético em relação à capacidade das pessoas e dos governos de reagirem aos abusos das grandes empresas de tecnologia.
Para Rushkoff, as pessoas querem entretenimento e é difícil competir com o espetáculo das redes sociais e suas métricas. “É, por isso, que muitos ainda votam em Trump. A segunda temporada de Trump no Netflix seria mais interessante do que a continuação da série de Joe Biden.”
Os governos, por sua vez, são lentos na contenção das empresas de tecnologia, conhecidas pela disrupção. “Ficam muito no debate e parece que sempre estão limpando o leite derramado.”
Por isso, Rushkoff investe no plano de persuadir quem controla essas empresas. “Eu via com cinismo a defesa de Sam Altman [chefe-executivo por trás do ChatGPT] pela regulação da inteligência artificial. Soava como uma tentativa de ditar os termos sobre o próprio mercado, mas ele aparenta ser um jovem pedindo ajuda para lidar com um grande problema.”
“Não podemos só cair na paulada em cima de gente como Altman e arriscar perdê-lo para pessoas como Elon Musk ou Peter Thiel [primeiro grande investidor do Facebook e patrocinador de candidaturas do Partido Republicano]”, acrescenta.
Musk, além de bilionário, é um perito no entretenimento, o que impulsiona o sucesso do empresário por trás de Tesla, Startlink e X (ex-Twitter), segundo Rushkoff. “Essa luta com o Zuckerberg é só mídia. É uma distração do que está acontecendo, dos problemas que eles causam.”
Sobre a ameaça das inteligências artificiais geradoras como o ChatGPT aos empregos, o escritor se diz incrédulo. “Não são confiáveis a esse ponto.”
Para ele, essa tecnologia mascara o trabalho humano. “Quando se faz um pedido ao ChatGPT, não se pensa no trabalho escravo na mineração de terras raras na África ou na imensidade de água consumida em um datacenter.”
Parte da resposta a esses problemas está na educação e no jornalismo, que precisam mostrar a natureza da indústria da tecnologia à população, de acordo com o autor. Ainda assim, ele reconhece que a imprensa falha em competir com “bots mentirosos e amigos que acreditam nesses robôs e acabam espalhando fake news nas redes sociais.”
Rushkoff ainda advoga pela economia circular. “É sobre fazer seus clientes ricos, para que eles gastem mais dinheiro com seu negócio, em vez de deixá-los pobres, de maneira que eles nunca mais gastem dinheiro.” O modelo de negócios extrativista da internet funciona do segundo modo, na avaliação do professor de estudos midiáticos.
O escritor afirma que também busca inspiração em outros estilos de vida fora dos países desenvolvidos. “Ainda imagino o Brasil através de estereótipos, mas há pessoas que entendem o valor da floresta tropical e da natureza. Existem indígenas vivos. Espero obter uma nova esperança de que existem pessoas que ainda se lembram do que significa ser humano, do que significa estar em comunidade.”
PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress