BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu que a regra de transição para a idade mínima de 55 anos para aposentadoria (reserva) dos militares das Forças Armadas vai se estender até 2032.
O prazo foi estipulado após o ministro Fernando Haddad (Fazenda) ouvir apelos do ministro José Mucio Monteiro (Defesa) e dos comandantes das Forças para estipular uma regra de transição que diminuísse os impactos no fluxo de carreira dos militares.
Pelo acordo, os militares próximos de aposentar terão um pedágio de 9% para pagar antes de ir à reserva a partir de 2025. Na prática, oficiais e praças serão obrigados a trabalhar por mais tempo que pelas regras atuais.
O acerto foi fechado horas depois da entrevista da quinta-feira (28) de divulgação das linhas gerais do pacote de corte de gastos, no Palácio do Planalto, com a previsão de impacto fiscal das medidas.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, chegou a informar, durante a entrevista, que a transição estava pactuada e terminaria no final desta década.
Um militar com exatos 33 anos de serviço, por exemplo, pode se aposentar daqui a dois anos, segundo a legislação atual. Com o pedágio, os 9% serão aplicados pelo tempo restante na ativa (24 meses) –assim, pelo novo cálculo, ele será obrigado a trabalhar dois meses a mais que o previsto para poder ir para a reserva remunerada da Força.
Isso significa que os militares poderão se aposentar com menos de 55 anos até 2032 caso eles tenham cumprido os 35 anos de serviço mais os 9% de pedágio.
As Forças Armadas não fecharam os cálculos do impacto econômico dessa medida. Oficiais-generais ouvidos pela Folha, porém, ressaltam que a queda das despesas só será sentida anos depois de sua implementação, com eventual redução de pessoal.
Isso porque os militares, na reserva, têm direito de receber o salário integral. Em contrapartida, eles continuam tendo recolhidos na folha de pagamento percentuais relativos às pensões militares e ao fundo de saúde.
A redução de despesas ocorreria numa eventual redução de pessoal, já que os militares serão obrigados a servir por mais tempo. Pelas regras atuais, os membros das Forças Armadas podem se aposentar após 35 anos de serviço –tempo que geralmente é alcançado com 53 anos de idade quando o militar começa a formação aos 18 anos.
Há casos, porém, de pessoas que se aposentam antes. A legislação sobre as Forças define que os militares que servem em “guarnições especiais” –como batalhões em selva, de difícil acesso e permanência– têm como benefício o acréscimo de um terço no tempo de serviço.
Se um militar serve por dez anos na selva amazônica, por exemplo, ele poderá se aposentar três anos antes.
A equipe econômica tentou reduzir o prazo da transição, segundo pessoas do governo a par das negociações. Mas teve que recuar, após alerta do ministro da Defesa para o impacto da medida nas regras de promoção dos oficiais. Múcio relatou ao presidente Lula a preocupação dos militares com o problema.
Como revelou a Folha, essa foi uma das razões do último adiamento do anúncio do pacote, que só ocorreu na noite da última quarta-feira (27), quando o ministro Haddad elencou as principais medidas em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão.
O Ministério da Fazenda diz que todas as mudanças no pacote de corte de gastos relacionadas às Forças Armadas terão impacto de R$ 2 bilhões ao ano, sendo R$ 1 bilhão em despesas e R$ 1 bilhão em receitas. O governo, porém, não dá detalhes sobre os cálculos –e, entre militares, há suspeitas de que o valor seja inferior.
Técnicos da área econômica admitem, na condição de anonimato, que a previsão de economia poderá mudar. Quando as medidas de reforma da Previdência começaram a ser discutidas, integrantes do governo falavam em reserva de um potencial de R$ 6 bilhões de redução de despesas.
Nas últimas semanas, o valor caiu para R$ 2 bilhões. O pacote foi anunciado com R$ 1 bilhão de economia pelo lado das receitas, valor que poderá ser revisto com a transição mais longa.
O próprio secretário-executivo do Ministério da Fazenda admitiu a dificuldade de fazer os cálculos do impacto da transição.
“Esse é um número dos mais difíceis de obter. Não é um número tão simples. Tem várias bases e nem sempre é acessível a nós”, disse na entrevista. “É um número que precisamos trazer a transparência”, admitiu ao ser questionado pela Folha na entrevista do pacote.
Com a definição das regras de transição, cada Força Armada terá de fazer mudanças internas para minimizar impactos no fluxo da carreira. A principal consequência será no tempo mínimo de permanência em cada um dos postos.
A ideia é retardar em pouco tempo as promoções dos militares. Oficiais-generais ouvidos pela Folha afirmam que a medida é necessária para evitar que oficiais e praças se acumulem nos últimos postos da carreira (coronel e subtenente), causando problemas na proporção de comandantes para comandados.
Em comunicado interno enviado na segunda-feira (25), a Marinha relatou aos militares que negociava uma regra de transição para mitigar impactos entre os marinheiros.
“A referida regra leva em consideração a estrutura piramidal da carreira, zelando pela contenção do alargamento do topo e pela continuidade do serviço, ao passo que impede a ocorrência de períodos específicos de elevado número de transferências para a reserva remunerada”, diz.
O governo incluiu ainda três mudanças nas regras das Forças Armadas para reduzir o déficit das contas com pessoal. O corte envolveu o fim do pagamento da pensão para os “mortos fictícios”, os militares expulsos por crimes ou infrações graves que são considerados mortos para que seus familiares recebam pensão.
A Folha revelou que, só no Exército, o pagamento dos mortos fictícios ultrapassa R$ 20 milhões por ano.
Outra medida voltada aos militares é limitar a transferência de pensão já concedida. Após o benefício começar a ser usufruído por parentes de primeira ordem (por companheiros e filhos, por exemplo), não seria autorizada a mudança da pessoa beneficiária para alguém da segunda ordem. A última iniciativa é o estabelecimento de 3,5% da remuneração do militar para o fundo de saúde militar.
CÉZAR FEITOZA E ADRIANA FERNANDES / Folhapress