Ideia de que agricultura foi revolução para humanos é mito, diz David Wengrow

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao contrário do que mostram as imagens dos livros de história, nossos antepassados não eram brutos, e as sociedades antigas anteriores à egípcia e grega não eram simples e defasadas.

Muitas delas eram cidades que, apesar de grandes e complexas, não eram desiguais e tampouco precisavam ser governadas por um líder autoritário, afirmou o antropólogo David Wengrow no ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo.

“A história convencional que temos da humanidade foi inventada no século 17 para silenciar as críticas indígenas sobre a sociedade europeia, na qual mulheres não tinham direitos e o dinheiro influenciava todas as relações”, disse o autor do best-seller “O Despertar de Tudo: Uma Nova História da Humanidade”, publicado aqui pela Companhia das Letras.

Leitor dos pensadores brasileiros Ailton Krenak e Davi Kopenawa, Wengrow argumentou que, com o passar dos séculos, a sociedade ocidental dissipou sua economia em setores -comércio, agricultura, finanças- para que “as opiniões de pensadores indígenas fossem irrelevantes diante dessas complexidades.”

Segundo o antropólogo, tanto Thomas Hobbes, ao dizer que o Estado foi criado para trazer segurança, quanto Jacques Rousseau, que descrevia as populações nativas como selvagens e inocentes, estavam errados.

“Um mito é um jeito de se orientar em um mundo caótico. Eles [Hobbes e Rousseau] estavam fazendo política, tentavam provocar as sociedades em que viviam. Não são teorias baseadas em fatos”, diz.

Foi difundido, a partir dos séculos 16 e 17, que a liberdade e igualdade só seriam possíveis em sociedades pequenas, e que sociedades grandes, complexas e sofisticadas necessariamente são desiguais.

Mas Wengrow aponta que, na realidade, estudos arqueológicos já comprovam que sociedades antigas complexas e igualitárias existiram, sem a agricultura. No Peru, por exemplo, ele disse que grandes cidades se formaram 4.000 anos antes do Império Inca.

“Essas primeiras cidades não deixaram sinais de reis ou rainhas. E uma boa parte da população dessas cidades vivia em casas de altíssima qualidade”, disse.

Wengrow citou também como exemplo cidades que existiram há 5.000 anos onde hoje está localizada a Ucrânia. “Estamos falando de assentamentos tão antigos quanto as primeiras cidades mesopotâmicas, mas que tinham o tamanho da Londres medieval, sem sinais de monarcas autoritários ou governos centralizados.”

“Não foram encontrados vestígios de estratificação, templos ou palácios, mas muitas casas dispostas em circularmente, com salas para assembleias. Milhares de pessoas conseguiram se organizar de baixo para cima e se mantiveram assim por centenas de anos. É o que pode ser descrito como cidade igualitária.”

Nas Américas, pesquisadores também fizeram descobertas que levam a crer na existência, há milhares de anos, de sociedades sofisticadas em regiões que, durante muito tempo, foram descritas como simples e primitivas.

“A Amazônia é um caso interessante. Hoje, sabemos que no início da era cristã, no ano um, já existiam cidades, terraços e monumentos na região, espelhados do Peru até as costas do Caribe.”

Wengrow explica que, na Amazônia indígena antiga, foram encontrados solos de “terra preta”, assim como na Ucrânia -altamente fértil e que só pode ter existido por intervenção humana, mas antes do momento dado como inicial para a agricultura.

“Não era um mundo de tribos, de caçadores ou coletadores, apesar de eles também existirem, mas um mundo de cidades e de muita riqueza”, argumentou. “A revolução da agricultura é um mito. Na maior parte do mundo, da China até o Oriente Médio, estudos detalhados de restos de animais e plantas nos contam que a transição de usar recursos selvagens para a agricultura foi muito lenta e levou cerca de 3 mil anos.”

Wengrow lembra que hoje, cientistas com pesquisas baseadas evidências alertam que, se queremos um futuro para as próximas gerações, é preciso repensar como a sociedade é organizada.

“Pensamos que [os indígenas] têm ideias melhores, mas estão atrás de nós material e tecnologicamente. Que seus pensamentos são voltados para a essência humana, ligada aos primórdios. Mas isso não é verdade, essas pessoas vivem o presente assim como nós. A pergunta, agora, é se vamos repetir o que aconteceu nos século 16 ou se vamos levar em conta o que está sendo dito.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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