BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após o recuo na disparada do dólar no Brasil, o presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, diz à Folha que a interpretação de que o Brasil estava se encaminhando para a beira do abismo é exagerada.
“Depois de muito tempo, a alta do dólar voltou ao centro do noticiário como símbolo do risco de uma crise. Não é verdade. Como falar em crise num país com fundamentos positivos como o crescimento na faixa de 2% ao ano, desemprego em queda, recuperação da renda, inflação dentro da meta e balança comercial robusta?”, avalia.
Segundo Trabuco, a alta recente da cotação do dólar frente ao real estava acompanhada dessa narrativa do abismo.
“O fato é que ninguém ganha ao esticar a corda. O mercado amplia o seu próprio risco assumindo posições de compra alavancadas. E o governo perde capacidade operacional e política para a construção de sua agenda”, afirma.
Na sua avaliação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad encontrou espaço político para consolidar o compromisso do ajuste fiscal no governo. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afiançou a política econômica do governo e o compromisso explícito com o ajuste fiscal.
“Esse posicionamento foi bem recebido pelo mercado, que deu sinais concretos de confiança na disposição. Esse é o principal saldo das duas semanas de crise no mercado cambial”, diz.
Para Trabuco, a indicação do diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, para comandar a instituição, uma vez confirmada, seria a melhor opção para uma “transição técnica, tranquila e serena” na presidência da autoridade monetária.
O presidente do Conselho de Administração do Bradesco considera que Galípolo será o nome adequado para essa travessia no atual momento desafiador.
“Galípolo fez um excelente trabalho no Ministério da Fazenda, e tem um desempenho consistente no comando da política monetária do País. Será, portanto, uma troca sensata, que tem como lastro a credibilidade e a tempestividade”, diz.
O diagnóstico do executivo do Bradesco é que a origem fundamental da alta do dólar é a mudança do juro dos Estados Unidos.
“Todos os analistas previam que o Fed [Banco Central dos Estados Unidos] iria reduzir o juro em março ou junho. Mas isso mudou. Nessa semana, a possibilidade é o início dos cortes em setembro. Há uma incerteza relevante e isso gera volatilidade nos ativos em todo o mundo”, ressalta.
Trabuco destaca que o canal de contaminação dessa incerteza se dá no Brasil pela bolsa, dólar e mercado futuro de juros, que opera alinhado ao movimento dos juros dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
Ele pondera que a questão fiscal é preocupante e importante “como sempre”, mas que não há novidade a ponto de justificar a alta acelerada do dólar.
“Foram poucas as ocasiões nas quais o mercado entendeu a questão fiscal como resolvida. O fiscal é um desafio permanente”, diz.
Trabuco ressalta que o regime cambial do Brasil é o mercado flutuante, pelo qual a cotação do dólar se orienta pelo fluxo de entradas e saídas da moeda. Ele cita que o fluxo atual é positivo, com a força do comércio exterior e os investimentos na renda fixa e em empreendimentos.
A sua leitura é que um dos fatores para a volatilidade do dólar foi a decisão do Banco Central de não sinalizar uma atuação no mercado de câmbio.
“Um movimento suave, um simples aviso de que poderia vender swaps cambiais, o que não afeta o nível de reserva do País, teria sido suficiente para acomodar os compradores do mercado”, avalia.
Ele ressalta que o regime de câmbio flutuante funciona há mais de duas décadas e protegeu o Brasil de várias crises globais. Nos momentos de aumento da volatilidade, afirma Trabuco, a autoridade monetária opera e administra a normalização das cotações para evitar que as turbulências atinjam a economia real.
“A questão é que a alma do mercado é o risco embutido na decisão de comprar e vender algum ativo”, justifica.
De acordo com ele, a fala do presidente Lula comunicando que iria convocar uma reunião para tomar medidas contra a alta do dólar bastou para provocar o imediato recuo das cotações.
Trabuco lembra que o Brasil conta com US$ 350 bilhões em reservas internacionais para conter avanços especulativos: “Isso é muito e suficiente. Mas é sempre bom lembrar que o mercado já nasceu preocupado e ansioso. A sua essência é a desconfiança.”
ADRIANA FERNANDES / Folhapress