Igualdade de gênero no Brasil é lanterna em recursos para bater metas da ONU

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As instituições financeiras criadas para fomentar o desenvolvimento no Brasil ampliaram o volume de recursos destinados a políticas ligadas aos objetivos sustentáveis da Agenda 2030, mas a distribuição entre as áreas ainda é desigual.

Inovação, indústria, infraestrutura, crescimento econômico e combate à fome receberam 58% dos R$ 652,5 bilhões repassados pelo sistema nacional de fomento entre 2020 e 2022.

Enquanto isso, políticas de igualdade de gênero ficaram com apenas 0,05% do montante, e educação de qualidade, com 0,31%.

Os dados integram o relatório “Metodologia ABDE-Pnud de Alinhamento do Sistema Nacional de Fomento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, produzido pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em parceria com a ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento). O documento foi antecipado à Folha.

A radiografia do sistema nacional de fomento inclui desembolsos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), da Finep e de outros bancos ou agências de fomento federais e regionais.

O objetivo do trabalho é diagnosticar como os recursos dessas instituições estão sendo usados para ajudar o Brasil na tarefa de alcançar as metas da Agenda 2030, um plano de ação global apoiado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e do qual o país é signatário.

A agenda pauta os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que incluem combate à fome, erradicação da pobreza, redução de desigualdades, ação contra a mudança global do clima, entre outros.

Para fazer esse diagnóstico, o Pnud e a ABDE fizeram um mapeamento de linhas, produtos e programas financeiros de 24 das 34 instituições de fomento que operam no Brasil, com o objetivo de construir uma espécie de dicionário de políticas alinhadas ou não a algum dos objetivos sustentáveis. Depois, foram analisados seus desembolsos entre 2020 e 2022.

O maior volume de recursos irrigou o ODS 9, que trata de indústria, inovação e infraestrutura (R$ 134,66 bilhões no acumulado do período).

Na sequência, vieram o ODS 2, que prega fome zero e agricultura sustentável (124,2 bilhões), e o ODS 8, que trata de trabalho decente e crescimento econômico (R$ 117,2 bilhões).

Já os menores desembolsos ocorreram para o ODS 5, de igualdade de gênero (R$ 354 milhões nos três anos), para o ODS 16, que prega paz, justiça e instituições eficazes (R$ 855 milhões), e para o ODS 4, que trata de educação de qualidade (R$ 2,04 bilhões).

O líder da unidade de Desenvolvimento Socioeconômico Inclusivo do Pnud no Brasil, Cristiano Prado, afirma que o resultado encontrado é positivo quando se trata do aumento no volume agregado de recursos destinados pelas agências de fomento a políticas relacionadas aos objetivos da Agenda 2030.

Os desembolsos saíram de R$ 186,5 bilhões em 2020 para R$ 269,2 bilhões em 2022, um avanço de 44,34% acumulado no período. “Foi uma surpresa positiva. A contribuição do sistema nacional de fomento é grande, e essa contribuição aumentou”, diz Prado.

Ele reconhece, porém, que esse apoio está bastante concentrado nos objetivos relacionados à indústria, à agricultura e ao crescimento econômico.

Segundo o especialista, isso tem a ver com a natureza das instituições de fomento no Brasil —muitas delas com foco nesses segmentos— e com as próprias linhas operacionalizadas no país.

Além disso, Prado observa que os setores mais contemplados costumam tomar financiamentos com um tíquete médio maior do que em outros segmentos.

Financiar o plantio de uma safra, a compra de maquinário ou políticas de combate à fome custa mais do que construir um centro de apoio a minorias ou dar crédito a um empreendimento liderado por mulheres, por exemplo. Isso contribui para somar um valor maior no conjunto dos anos.

Outra razão para a diferença entre os números é o próprio mercado, que demanda mais recursos relacionados a esses objetivos, em detrimento das agendas ligadas à educação ou à igualdade de gênero.

“A capacidade do tomador de apresentar projetos nessas áreas [igualdade de gênero e educação] é uma coisa que pode ser mais bem trabalhada, para que a gente tenha mais projetos ofertados ao setor nacional do fomento [dentro desses objetivos]”, afirma Prado.

Para o Pnud, o trabalho revela não só um diagnóstico, mas também uma oportunidade de aprimorar o direcionamento desses fluxos de capital.

“A gente ludicamente separa os ODS em caixinhas, mas eles são interligados. Não dá para pensar em redução de pobreza se não pensar em educação. A oportunidade é incorporar a transversalidade dos ODS nas linhas de financiamento, aproveitando as linhas que estão nos maiores objetivos”, afirma o especialista.

Com pequenos ajustes, ele diz que os recursos poderão ter um impacto maior sobre o desenvolvimento sustentável no Brasil.

O segundo vice-presidente da ABDE e presidente da Fomento Paraná, Heraldo Alves das Neves, diz que a pauta da preservação ambiental sempre foi prioridade para os bancos públicos e as agências de fomento, mas há hoje a compreensão de que é preciso ampliar o escopo de atuação. Por isso, diz, o mapeamento feito com o Pnud é visto como “um plano para direcionar o sistema de fomento como um todo”.

Até agora, 24 das 34 instituições financeiras associadas à ABDE participaram do levantamento. As outras 10 ficaram de fora ou porque entregaram informações incompletas sobre suas linhas, ou porque não puderam contribuir a tempo para o trabalho.

No entanto, Neves diz que a intenção é completar o mapeamento nos próximos meses.

“A ideia é cercar todas as 34 associadas, para ter mais informações do alcance das nossas linhas e ao mesmo tempo dirigir, inclusive de acordo com elementos de planos de governo, aproveitar oportunidades de recursos de programas”, afirma.

Segundo ele, a partir dos resultados, as instituições de fomento poderão aprimorar seus instrumentos para potencializar o uso dos recursos, norteadas pelos objetivos da Agenda 2030.

O representante da ABDE admite que se surpreendeu com a inexpressividade dos recursos dedicados à igualdade de gênero. “Eu até esperava mais em recursos relacionados à política de gênero, mas a gente viu nos últimos anos crescer a preocupação e a destinação de recursos”, afirma.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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