Ilhas Maurício estudam habitat para receber dodô, ave ícone da extinção

PORT LOUIS, ILHAS MAURÍCIO (FOLHAPRESS) – No modesto Museu de História Natural de Porto Louis, capital das ilhas Maurício, no oceano Índico, os visitantes passam rapidamente pelos peixes e aves empalhadas e vão direto para a última sala onde fica a mascote do país.

Ali está o único esqueleto inteiro do dodô (Raphus cucullatus), a ave extinta mais famosa dos últimos séculos e que hoje é protagonista de um projeto que tenta recriá-lo por meio de engenharia genética para, depois, devolvê-la à ilha natal.

Imortalizado na obra “Alice no País das Maravilhas” (1865), de Lewis Carroll, o dodô já foi tema de poemas, de animações, séries de TV, filmes e também teve sua imagem estampada em moedas mauricianas.

A ave foi descrita pela primeira vez em 1598, por navegadores holandeses, e viveu nas ilhas Maurício até provavelmente o fim do século 17. A caça descontrolada e a destruição dos seus ninhos pelos humanos e pelos animais levados à ilha nas embarcações resultaram na sua extinção, na década de 1680.

O plano ambicioso de devolver o dodô à sua ilha foi anunciado em janeiro de 2023. Meses antes, cientistas do Instituto de Genômica da Universidade da Califórnia (EUA) haviam sequenciado o genoma da ave a partir de uma amostra de DNA retirada de um espécime de um museu na Dinamarca.

A Colossal Biosciences, empresa privada de biotecnologia e engenharia genética sediada nos Estados Unidos, está à frente da iniciativa e fez recentemente uma parceria com a Mauritian Wildlife Foundation (MWF), uma organização sem fins lucrativos nas ilhas Maurício, para restaurar o habitat que será necessário para uma eventual reintrodução do dodô no local.

“O dodô, uma ave intimamente ligada ao DNA das ilhas Maurício, também é tristemente icônico pelo papel que a humanidade desempenhou na sua extinção. Estamos muito gratos pelas tecnologias da Colossal e pela promessa de devolver essa espécie icônica ao seu ambiente nativo”, disse Vikash Tatayah, diretor de Conservação da Mauritian Wildlife Foundation, em comunicado.

Após o sequenciamento do material genético do dodô, os paleontologistas da Colossal mapearam o genoma de outras duas espécies, o solitário (uma ave também extinta que vivia numa ilha próxima, a Rodrigues, e que, assim como o dodô, não voava) e do pombo Nicobar (ou pombo-europeu), o parente vivo mais próximo do dodô.

O próximo passo, segundo a empresa, será modificar células que atuam como precursoras de ovários e testículos, chamadas de células germinativas primordiais, para que contenham o DNA do dodô. Essa cultura de células é então implantada em um ovo do pombo-europeu. Se tudo der certo, após a choca, eclodirá um filhote de dodô.

Na comunidade científica há quem questione a manipulação genética de espécies selvagens extintas em um mundo que está mudando constantemente devido às ações humanas. Para esses críticos, seria mais plausível investir recursos na preservação de espécies ameaçadas de extinção.

Outros, porém, defendem que essa talvez seja a única forma de sobrevivência de seres hoje ameaçados de extinção. É o caso da geneticista Beth Shapiro, professora de biologia evolutiva na Universidade da Califórnia em Santa Cruz e responsável pelo sequenciamento genético do dodô.

Em entrevista à Folha no ano passado, ela afirmou que a biotecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar na preservação dos ecossistemas.

“Se temos a capacidade de modificar o genoma e criar espécies que vão ser mais bem adaptadas, mais saudáveis e consigam viver melhor nos ambientes modificados, não vejo por que não tentar isso. Usar essas tecnologias para ajudar as espécies pode ser a única forma de salvá-las”, disse Shapiro, autora do livro “Brincando de Deus”. Atualmente, ela é também consultora da Colossal.

Mas o quanto é factível trazer o dodô de volta do mundo dos mortos?

“Podemos descobrir como fazer mudanças suficientes em um genoma para podermos projetar algo que seja fisicamente semelhante a um dodô. E talvez essa ave, devolvida às [ilhas] Maurício, preencha o nicho ecológico que o dodô outrora preencheu e proporcione alguma estabilidade melhorada ao ecossistema. E isso seria ótimo”, disse Shapiro, em comunicado.

Do ponto de vista ambiental, também há muitos desafios, a começar pelo habitat onde vivia o dodô, que foi muito modificado ao longo de mais de quatro séculos de colonização humana na ilha.

Segundo Vikash Tatayah, diretor de conservação do MWF, além das mudanças do habitat, os predadores que contribuíram para a extinção do dodô -entre os quais gatos, ratos e porcos- ainda estão presentes na ilha, o que tornaria necessário um rígido controle nas áreas onde o dodô recriado seria reintroduzido.

Outra opção, observa Tatayah, seria identificar áreas que já estão livres de predadores, como pequenas ilhas perto das Maurícias. Esses e outros fatores, como a presença de plantas endêmicas, estão sendo analisados em um estudo de viabilidade que será financiado pela Colossal. Um dos locais estudados é a região do Parque Nacional Black River Gorges, no sudoeste da ilha.

Para Tatayah, qualquer trabalho a ser feito com o objetivo de reintroduzir o dodô nas ilhas Maurício também beneficiará a conservação desse habitat de forma mais ampla.

Entre os moradores locais, há um misto de entusiasmo e desconfiança com a possibilidade da recriação genética do dodô.

“Na minha infância, o dodô era uma figura meio mítica. Na escola, a gente aprendeu sobre a sua extinção. Hoje, acho até possível o ressurgimento de algo parecido ao dodô. Ele mesmo, eu duvido”, diz Ridwaan, motorista de táxi nas ilhas Maurício.

“O interesse por suvenires do dodô já aumentou muito [a partir da notícia do projeto de recriação]. Espero que isso vá para frente e impulsione ainda mais o turismo por aqui”, disse Mohammad, vendedor de uma loja na praia de Flic et Flac, em Maurício.

CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress

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