SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Em Buriticupu, no interior do Maranhão, moradores convivem com o avanço de enormes crateras há cerca de 30 anos. O problema enfrentado pela cidade que está a 415 km de São Luís veio à tona na última sexta-feira (7), após uma jovem cair em uma voçoroca de aproximadamente 80 metros de profundidade.
O QUE SÃO AS VOÇOROCAS?
Voçorocas são processos erosivos extremamente agressivos. Segundo Silvio Carlos Rodrigues, professor de geografia na UFV (Universidade Federal de Viçosa), elas ocorrem em função da concentração de um fluxo de água, que provoca a erosão dos solos superficiais e subsuperficiais, criando uma cicatriz na superfície do terreno.
Cicatriz demora a ser ocupada pela vegetação natural. “Muitas vezes [essas cicatrizes] criam uma paisagem muito degradada quando ocorrem várias voçorocas próximas umas das outras”, explica Rodrigues sobre o que está acontecendo em Buriticupu.
Geralmente, no Brasil, esses processos erosivos ocorrem em áreas onde o equilíbrio natural de uma paisagem é quebrado por um agente externo, que pode ser natural ou de fonte humana. Silvio Carlos Rodrigues, professor de geografia na UFV
Incidências podem estar associadas a um uso da terra de forma predatória. O geógrafo explica que as voçorocas podem correr por conta de desmatamentos feitos sobre solos muito frágeis. Se expostos a chuva naturais, tendem a apresentar pequenas erosões que crescem rapidamente, podendo atingir dimensões de quilômetros de extensão e dezenas de metros de profundidade.
POR QUE HÁ TANTAS EM BURITICUPU
Extração de pedras e madeiras teria causado voçorocas em Buriticupu. “O prosseguimento da extração de pedras e madeira fez isso. Com a falta de canalização, a água das chuvas cai para as bordas e as voçorocas vão crescendo. São 26 voçorocas e não sabemos o que fazer. Os gestores só vão passando de um para o outro a responsabilidade”, diz Isaías Neres, presidente da Associação dos Moradores das Áreas Atingidas pelas Erosões de Buriticupu.
Falta de drenagem e o solo favorecem erosão. “Além do desmatamento, a falta de obras de drenagem e o próprio solo da cidade favorecem o processo de erosão”, diz Augusto Campos, mestre em geografia, natureza e dinâmica do espaço pela UEMA (Universidade Estadual do Maranhão) e que já fez pesquisas sobre as voçorocas de Buriticupu.
ANTES E DEPOIS
Com o avanço das voçorocas, em 13 de fevereiro o município decretou estado de calamidade pública. Algumas delas, como a que a jovem caiu, podem chegar a 80 metros de profundidade e até sete quilômetros de extensão.
Imagens de satélite mostram antes e depois do aumento das voçorocas em Buriticupu. Abaixo, é possível ver que, em 2019, existia muito mais vegetação intacta do que em 2025, na segunda imagem.
Imagens são do programa Brasil MAIS, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Elas são coletadas pelos satélites da empresa global Planet, e os alertas são gerados pela plataforma SCCON Geospatial.
CRATERAS PODEM SER RESOLVIDAS?
“Depois de instaladas na paisagem, são praticamente impossíveis de serem removidas”, conta Rodrigues. O especialista, que possui estudos sobre as voçorocas em sua trajetória acadêmica, diz que o melhor antídoto contra elas é tentar conter a erosão enquanto ainda é pequena.
O custo para tentar criar condições de estabilizar o processo erosivo é extremamente alto e praticamente perdido. O que se precisa fazer é tentar restabelecer o equilíbrio do solo, evitando sua erosão. Necessita-se de obras que levem em conta o componente ecológico, e não somente tentativas de cobrir a cicatriz. Muitos erros já foram feitos neste sentido. Silvio Carlos Rodrigues
Voçorocas já tomaram bairros, destruindo mais de 70 casas. A Prefeitura de Buriticupu intensificou as demolições de casas em áreas de risco em 2023, quando vídeos das voçorocas viralizaram na internet.
Entre algumas medidas importantes, estão a remoção temporária dos moradores que se encontram nas áreas de risco, adequação do sistema de drenagem pluvial e esgoto, a fim de evitar o direcionamento do fluxo para as encostas. Também é preciso realizar obras de contenção de encostas e projetos de educação ambiental, visando sensibilizá-los a evitar a ocupação de áreas impróprias e sobre a disposição do lixo. Augusto Campos, mestre em geografia, natureza e dinâmica do espaço pela UEMA
Imagens de satélite podem ajudar. Segundo a SCCON, “órgãos municipais e estaduais podem ter acesso às imagens de satélite e alertas via RedeMAIS para tomarem decisões a partir do acompanhamento diário e a evolução dessa área”. É o que afirma Vinicius Rissoli, diretor comercial da empresa de monitoramento geoespacial.
ACIDENTES E MORTES
Voçorocas já provocaram pelo menos sete mortes. Os dados são Associação dos Moradores das Áreas Atingidas pelas Erosões de Buriticupu.
Nos anos 1980, uma idosa morreu em uma das voçorocas. A cratera ficou conhecida como “grota da velha”, em referência à vítima.
Em 2022, Márcio Costa Araújo foi mais uma vítima. Ele morreu após ser levado pela água de uma forte chuva para dentro de uma das crateras que alcança a rua João Moreira, no bairro Terra Bela.
Em maio de 2023, o policial militar aposentado José Ribamar Silveira caiu de uma altura de 80 metros e sobreviveu. O idoso manobrava uma caminhonete em uma região mal sinalizada.
Mais recentemente, em 7 de março de 2025, a jovem Maisa Sousa caiu também de uma altura de 80 metros. A vítima reside no Residencial Eco Buriticupu, uma das áreas que estão sendo gradualmente engolidas por uma voçoroca. Segundo o pronunciamento do Secretário de Segurança Pública e Mobilidade Urbana de Buriticupu, Frank Eron, ela não respeitou a sinalização de uma das voçorocas existentes no município. Ele diz também que a Polícia Civil investiga se ela teria se jogado propositalmente na cratera.
DEBORA ALEXANDRE / Folhapress
