BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) afirmou neste domingo (3) que é “inadmissível” a decisão do governo Lula de manter na nova carteira de identidade nacional o campo “sexo” e também a distinção entre nome social e nome de registro.
O governo, com a manutenção dessas informações, recuou de uma proposta apresentada em maio deste ano, que tinha o objetivo de “tornar o documento mais inclusivo e representativo”, segundo informou na ocasião o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
“Para nós é inaceitável e inegociável que nosso próprio documento negue nossa identidade e nosso nome, direitos garantidos por decisão de 2018 do Supremo Tribunal Federal”, afirmou a deputada à reportagem.
“Acreditamos, e esperamos, que a publicação deste decreto seja um erro, em vista do tema já ter sido pacificado e do compromisso assumido em maio, e aguardamos sua devida correção”, completou.
A deputada encaminhou um ofício na semana passada aos ministros Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Silvio Almeida (Direitos Humanos), pedindo providências sobre trechos de um decreto do presidente Lula, que trata da nova carteira de identidade nacional.
O ato prorroga para o dia 11 de janeiro o prazo para que os estados e o Distrito Federal passem a adotar o novo padrão do documento –cuja principal novidade é a inclusão do número do CPF. Hilton, no entanto, questiona o item do decreto que determina que os cadastros administrativos dos portadores deverão ter diversas informações, entre elas o sexo, o nome de registro e o nome social.
A parlamentar argumentou aos ministros que a manutenção do campo “sexo”, que restringe a definição a masculino ou feminino, promove uma “desproporcional exigência” e tende a “discriminar pessoas que não se identificam com alguma das categorias binárias de identidade de gênero”.
Sobre a decisão de manter a distinção entre nome de registro e social, a deputada afirma que a presença dessa informação nos documentos de pessoas trans e travestis constrange membros da comunidade, que já sofre com a transfobia.
Na mesma linha, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou que foi uma “péssima surpresa” o não cumprimento de um compromisso assumido com a comunidade LGBTQIA+.
O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), disse que é necessário averiguar os motivos que levaram o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos a manter essas informações no documento.
“Precisamos entender as razões que levaram os ministérios a tomarem a decisão. Independentemente do que for definido, tenho certeza que o Governo Federal vai manter a garantia dos direitos fundamentais e zelar pela dignidade humana. O nosso mandato seguirá defendendo a população LGBTQIA+ e vamos acompanhar a medida”, afirmou.
O Ministério da Gestão, comandado por Esther Dweck, foi procurado na tarde de sábado (2), mas não explicou os motivos que levaram a pasta e o governo a abandonar o layout mais inclusivo da carteira de identidade nacional.
“O governo federal não reincluiu nenhum campo. Foram apenas mantidos os campos existentes”, informou, de maneira sucinta, a pasta, em referência ao fato de que as mudanças anunciadas em maio não entraram em vigor, pois nenhum decreto nesse sentido foi publicado.
Em maio deste ano, o ministério anunciou as mudanças na carteira nacional de identidade teriam o objetivo de “tornar o documento mais inclusivo e representativo”, segundo texto divulgado pela própria pasta.
O novo documento seria impresso sem o campo referente ao sexo e constaria apenas o nome que a pessoa declararia no ato da emissão, sem haver a distinção entre nome social e nome do registro civil.
“Teremos um documento inclusivo. Pretendemos que esse seja um instrumento que permita a reconstrução da relação de cidadania entre o Estado e o cidadão, que a gente saiba com quem que a gente está falando e que essa pessoa possa exigir do Estado seus direitos e cumprir seus deveres, além de ser reconhecido como uma pessoa”, afirmou o secretário de Governo Digital da pasta, Rogério Souza Mascarenhas, no texto divulgado pelo governo.
A seção do site do Ministério destinado à nova carteira de identidade nacional, no entanto, voltou a divulgar o modelo que era previsto inicialmente, com a inclusão do campo “sexo” e a separação dos campos para nome de registro e nome social. Além disso, o mais recente decreto do presidente Lula não promoveu as mudanças, mantendo o padrão anterior.
A senadora de oposição Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos durante o governo Jair Bolsonaro (PL), afirmou que o recuo do governo Lula foi acertado por causa da questão de segurança.
Segundo Damares, o governo provavelmente se deu conta de que o modelo poderia colocar em risco o sistema de identificação, e inclusive a comunidade LGBTQIA+. “Para além de questões ideológicas, temos uma questão de segurança pública. E acredite: este também foi o item de peso no governo anterior. Manter o modelo sugerido em 2022 garante mais segurança até mesmo para a comunidade LGBTQIA+”, ela afirmou à reportagem.
A senadora afirmou que ainda há muito o que se avançar na área de identificação no Brasil, citando que muitas crianças estão sem certidão de nascimento e que é preciso também melhorar o sistema de identificação em todas as regiões.
“Acredito que manter o modelo anterior está mais ligado ao sistema de segurança e identificação do que a questões ideológicas, pois, se fosse possível atender o pedido da comunidade LGBTQIA+, de forma que não colocasse o sistema de identificação em risco, com certeza eles mudariam para lacrar, pois este é o governo da lacração”, afirmou.
RENATO MACHADO / Folhapress