SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um comboio do Exército estava estacionado ao lado do foco de incêndio que já queimou 200 hectares do Parque Nacional do Itatiaia, localizado na divisa de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
O início do fogo, que atinge a parte alta da unidade de conservação desde a última sexta-feira (14), foi captado por câmeras de segurança. As imagens mostram uma fumaça densa ao lado de uma fila de veículos militares.
A cena tem sido replicada em grupos de mensagens e causado revolta entre frequentadores do parque. Guias e voluntários no combate às chamas ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que está sendo investigada a possibilidade de o fogo ter começado com um fogareiro de campanha, a álcool.
Segundo relatos, o motorista de um dos caminhões teria acendido o equipamento enquanto aguardava cadetes da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) que terminavam uma semana de treinamento.
Procurada, a concessionária Parquetur, responsável pela administração do parque, afirmou que aguarda o resultado da perícia para investigar a possibilidade de o incêndio ter começado durante o treinamento militar.
Também procurado, desde a manhã desta segunda-feira (17), o Exército disse ter encaminhado os questionamentos à Aman. A academia, por sua vez, não respondeu. O posicionamento será incluído na reportagem quando enviado.
O uso de fogueiras e fogareiros é proibido em todo parque, com exceção da área de camping, localizado a cerca de 3 km do local onde o fogo começou.
No primeiro dia do incêndio, a umidade do ar estava baixa e o vento era de cerca de 20 km/h, o que favoreceu o alastramento das chamas. De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o alerta foi dado por volta das 14h da sexta-feira, mesmo horário em que as câmeras de segurança flagraram a fumaça ao lado do comboio.
Baseados em um abrigo a cerca de 1 km da entrada do parque, os brigadistas chegaram no momento em que o fogo já tinha atingido a vegetação próxima ao morro do Couto e à portaria do parque.
Essa área, segundo o ICMBio, é um campo de altitude, acima de 2.500 metros, e a vegetação estava bastante seca devido às poucas chuvas nos últimos tempos.
O gestor do parque, Felipe Cruz, afirmou à Folha de S.Paulo que cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras estavam no local para participar de um treinamento intitulado Estágio Básico de Combatente de Montanha, em que turmas do primeiro ano passam uma semana no Itatiaia para aprender técnicas de sobrevivência, entre outras habilidades.
“Estamos, agora, focados no combate às chamas. Qualquer posição agora é muito precipitada”, disse sobre a hipótese de o incêndio ter sido provocado acidentalmente pelo grupo.
Por estar entre 540 e 2.791 metros acima do nível do mar, a parte alta do parque tem clima inóspito e registra uma das temperaturas mais baixas do país. Por possuir relevo rochoso, recebe turmas de cadetes do primeiro ano da Aman desde 1957, para aprenderem técnicas de escalada, uso de equipamentos de montanha, nós e amarrações, além de rapel.
O Itatiaia é o primeiro parque nacional do Brasil e, no dia do começo do incêndio, na sexta, completou 87 anos.
Assim que avistou a fumaça do quintal de sua casa, a 6 km do parque, o maratonista de montanha Wilton Nascimento conta que correu para se voluntariar para ajudar as equipes de brigadistas. “Entrei no carro e dirigi até lá com lágrimas nos olhos. O parque é a minha vida”, diz.
Ao chegar lá, conta, foi impedido de se aproximar das labaredas porque não tinha curso de brigadista, mas passou a madrugada toda no apoio às equipes.
“Corri com mangueiras nas costas”, diz. “Percorri os comércios abertos na cidade e comprei todas as pilhas que encontrei e bebidas isotônicas, que eram o que mais precisavam”, narra.
O momento de desespero se igualou aos dias em que também combateu o incêndio na Serra Fina, seção da Serra da Mantiqueira vizinha ao Parque Nacional de Itatiaia, em julho de 2020. “Já tinha conseguido esquecer aquelas imagens, mas tudo voltou agora”, diz.
As investigações sobre a origem do fogo que destruiu 500 hectares de vegetação naquele ano ainda não foram concluídas.
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress