SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os incêndios no Canadá bateram o recorde histórico, com mais de 77,9 mil km² de florestas queimadas em 2023. O número é o mais alto dos últimos 40 anos e foi atingido muito antes do fim da temporada do fogo, que vai até setembro.
A área equivale à do Panamá (75.320 km²) ou quase 50 vezes a da cidade de São Paulo (1.521 km²).
De acordo com o serviço de monitoramento atmosférico europeu Copernicus, os incêndios já emitiram 160 milhões de toneladas de carbono, o índice mais alto desde que o monitoramento começou, em 2003. O número equivale ao total de emissões das Filipinas, um país com uma população de 113,9 milhões de pessoas, em 2021.
A fumaça voltou a turvar o céu de grandes cidades canadenses neste domingo (25). Em Montreal, na província de Quebec, a qualidade do ar registrada foi a pior entre as grandes cidades do mundo, segundo o IQAir, que monitora a poluição ao redor do globo.
O Ministério do Meio Ambiente do Canadá pediu que moradores de várias regiões da província evitassem atividades ao ar livre e recomendou o uso de máscaras. Eventos externos, como shows e competições esportivas, foram cancelados.
A poluição causada pelo fogo também atravessou o Atlântico e chegou à Europa um dia depois.
À agência de notícias Reuters, o cientista do Copernicus Mark Parrington disse que, ao longo da semana, é possível que o céu fique nebuloso no continente europeu, tingindo o pôr do sol de laranja. Apesar disso, a previsão é de que a fumaça fique numa altitude maior, portanto, é pouco provável que a qualidade do ar seja afetada.
Nesta terça-feira (27), foram registrados 487 focos de incêndio ativos no Canadá, sendo que 259 estão fora de controle.
“Já estamos vendo uma das piores temporadas de incêndios florestais já registradas e devemos nos preparar para um longo verão”, disse o ministro do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Steven Guilbeault, em um comunicado no começo de junho.
O QUE ESTÁ QUEIMANDO
As chamas estão atingindo a floresta boreal, que cobre a maior parte do território canadense e é formada, em sua maioria, por diferentes tipos de coníferas (como pinheiros).
“A diversidade de árvores é muito menor do que nas florestas brasileiras, podendo haver centenas de hectares de abetos-negros, principalmente”, explica o botânico Sam Flake, pesquisador do Departamento de Recursos Florestais e Ambientais da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
“Este tipo de floresta abrange uma vasta área pouco povoada e de difícil acesso para os bombeiros, o que tem dificultado o controle dos incêndios”, avalia.
Os incêndios são uma parte natural do ecossistema da floresta boreal e, por isso, muitas espécies têm adaptações para ajudá-las a resistir depois de serem atingidas pelas chamas.
O abeto-negro, por exemplo, é muito inflamável, mas tem cones que armazenam sementes para liberar após um incêndio. Mas mesmo esse tipo de planta não resiste a queimadas frequentes. “Esta árvore prefere queimar a cada 50 ou 100 anos, caso contrário, será substituída por outras espécies”, diz Flake.
Mesmo assim, isso não significa que a floresta boreal está queimando “sozinha”.
“A maioria dos incêndios ainda é causada por humanos no Canadá. Mas há uma proporção maior [de fogo] por causas naturais, como raios, do que em lugares como o Brasil e outras áreas de florestas úmidas”, aponta James MacCarthy, pesquisador do Global Forest Watch, ferramenta da organização não governamental WRI (World Resources Institute).
O PAPEL DA CRISE CLIMÁTICA
O clima é um fator que colabora para que grandes queimadas aconteçam, já que o fogo depende de condições específicas para se espalhar com maior facilidade: tempo seco, altas temperaturas e vento. Com as mudanças climáticas, esse tipo de cenário tem ficado mais frequente nas regiões florestais, levando a mais incêndios.
“O que nós estamos vendo é que tem havido incêndios mais intensos, mais frequentes e maiores, aos quais os ecossistemas [boreais] não se adaptaram ao longo da evolução”, aponta MacCarthy. “Então, ainda que o fogo seja natural, os tipos de incêndios que nós estamos vendo hoje não são naturais.”
Flake aponta ainda que as queimadas que estão acontecendo agora, que começaram mais cedo do que o normal, foram causadas por uma primavera muito quente e seca no hemisfério norte. “Essas condições quase certamente se tornarão mais comuns no futuro”, afirma.
O patamar atual, com dezenas de milhares de quilômetros quadrados queimados, era algo atingido no final da temporada de fogo em anos anteriores. Por isso, a expectativa é que 2023 ainda tenha mais três meses de incêndios, agravando a situação.
“Alguns estudos mostraram que as temporadas de incêndios aumentaram nos últimos 50 anos e agora são cerca de 20% mais longas do que antes de 2000”, diz MacCarthy.
O Global Forest Watch registrou um aumento nas áreas florestais queimadas no mundo todo, especialmente na última década, mas foram as matas do Canadá e da Rússia que mais arderam.
“O IPCC [painel científico das Nações Unidas para as mudanças climáticas] já mostrou que as regiões boreais estão esquentando mais rápido do que o resto do planeta. Essa é uma das razões pelas quais estamos vendo impactos nestas áreas, em particular”, explica o especialista.
IMPACTO NAS EMISSÕES DE CARBONO
Além de sofrerem os efeitos das mudanças climáticas, ficando mais frequentes, os incêndios florestais também estão do outro lado da equação: como liberam muito carbono, agravam o aquecimento global.
Enquanto nas florestas tropicais, como as do Brasil, a maior parte do carbono fica estocada acima da terra, nos galhos e no tronco, nas boreais acontece o oposto, com a maioria do estoque no solo.
“Mas, à medida que vemos aumentar a intensidade, o número e a frequência dos incêndios florestais nas florestas boreais, vai sendo queimado [o material que está] mais abaixo no solo e isso libera mais carbono”, afirma MacCarthy.
Em março, um estudo mostrou que os incêndios nas florestas boreais estão emitindo quantidades cada vez maiores de dióxido de carbono (CO₂).
A queima desse tipo de vegetação na Eurásia e na América do Norte em 2021 liberou um recorde de 1,76 bilhão de toneladas de CO₂ representando 23% de todas as emissões mundiais de carbono provenientes de incêndios.
“Esse estudo analisou a temporada de incêndios de 2021, mas esta provavelmente será ainda pior”, avalia Flake.
JÉSSICA MAES / Folhapress