Incentivo já foi bem usado, e hoje empresas querem investir em energia limpa, diz empresário

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O papel dos subsídios para estimular o avanço das energias renováveis ficou para trás, e o incentivo para o investimento nessas energias, atualmente, deve partir das próprias empresas.

A avaliação é de Cristopher Vlavianos, fundador e presidente do conselho de administração da comercializadora de energia Comerc, companhia que concentra os ativos de energia renovável da Vibra após a distribuidora adquirir 50% de seu capital, em 2021.

“O que a gente vê hoje como um incentivo são as próprias empresas querendo investir em energia renovável. Durante um período, esse subsídio foi bem utilizado. Mas o investidor tem uma consciência, os fundos, os family offices, os próprios bancos, eles olham esse mercado. O direcionamento do capital para esse tipo de projeto já traz um benefício grande para quem quer investir em energia renovável”, afirma o empresário.

Vlavianos também diz ver uma mudança no olhar do setor privado para o mercado de crédito de carbono. Em 2023, em parceria com a Vibra, a Comerc lançou sua mesa de operações de crédito de carbono.

“No passado, as empresas que emitiam muito CO2 acabavam compensando isso comprando crédito de carbono, e muito pouco preocupadas com o processo. O mundo está mudando. Ele não aceita mais você estragar de um lado e compensar do outro”, diz.

PERGUNTA – Desde a abertura, em janeiro, do mercado livre para a entrada de novos consumidores com consumo mensal acima de R$ 10 mil, que é um movimento considerado como porta para descarbonização, qual tem sido o reflexo dessa nova demanda?

Cristopher Vlavianos – Nos últimos 20 anos, a migração para o mercado livre começou com os grandes consumidores até os médios. Os que estão migrando para o mercado livre agora são aqueles que têm mais ou menos uma conta de energia acima de R$ 10 mil por mês. Pode ser um consumidor comercial, industrial, um condomínio ou uma padaria.

Estamos saindo de um volume de consumidores migrados de 25 mil unidades para 100 mil unidades. Seriam 75 mil unidades de novos consumidores nesse mercado livre com potencial de redução de custos e emissões, porque eles migram para o mercado livre consumindo energia renovável.

Como está a disputa por esse consumidor no varejo?

C. V. – O mercado tem vários players [competidores] hoje. O que ele tem que avaliar é a credibilidade, se essa empresa que está oferecendo um produto vai entregar, se ela vai reduzir o custo de forma consistente. É como comprar qualquer produto. Tem que avaliar de quem você vai comprar essa energia, porque é uma commodity essencial. O consumidor tem que avaliar o novo fornecedor quando vai fazer essa decisão de migrar para o mercado livre.

Como funciona o planejamento da descarbonização, que vocês, na empresa, chamam de jornada da descarbonização?

C. V. – É a conscientização dos consumidores de que eles precisam reduzir a sua pegada de carbono. Ela começa sempre com medição, com um inventário. Se você não consegue medir, você não consegue reduzir nem saber que está reduzindo. O inventário mostra quais são as emissões que esse consumidor tem para ele poder começar a trabalhar nos processos e reduzir.

São três escopos de emissões: as que são diretas do cliente, as que são referentes ao consumo de energia e as emissões dos fornecedores dele. Então, olhando toda a gama de fornecedores, ele pode escolher quem são os consumidores responsáveis ambientalmente e que também reduzem a sua pegada de carbono.

Saiu uma pesquisa da EY em maio, com 100 mil pessoas, segundo a qual só 30% dos entrevistados estão dispostos a investir mais dinheiro em nome da energia limpa e 70% não querem fazer mais do que já fazem. As pessoas estão desanimadas em gastar com placar solar, por exemplo?

C. V. – O que o consumidor avalia é se a oportunidade de redução de emissão também é uma oportunidade de redução de custo. No Brasil, você consegue essas duas vantagens. Consegue reduzir emissões consumindo energia renovável e consegue reduzir custo também com uma energia mais barata do que esse consumidor tem hoje na sua distribuidora.

O consumidor europeu ou americano tem que pagar um adicional para ter essa vantagem de usar a energia renovável. Lá, a renovável é mais cara do que a convencional. O consumidor livre brasileiro tem uma vantagem grande em relação ao restante mundo por termos abundância de fontes renováveis, de sol, de vento. Temos custo de energia elétrica menor hoje. Temos uma modulação de energia porque temos bastante energia hidráulica. A gente não precisa despachar térmicas no intervalo dessas fontes renováveis.

O Brasil já tem essa vantagem da matriz energética limpa, mas alguns especialistas citam dois pontos críticos, que são a digitalização e a descentralização. O que o país precisa fazer para avançar nessas outras frentes da transição energética?

C. V. – O Brasil já vem fazendo essa descentralização. Saímos das grandes usinas agora para usinas menores e até para o chamado prosumidor, o consumidor que tem a placa instalada no telhado. Isso é uma descentralização. Antes, aquela grande usina era financiada com prazo muito longo de construção e de amortização desse investimento.

A digitalização vem junto. Ela permite ter informações, dados de consumo e telemetria desses consumidores. Com isso, você entende como funciona o consumo. Hoje, já tem digitalização e isso vai crescendo. A inteligência artificial também se aplica à energia. Já existem processos em que o consumidor de baixa tensão entra em uma plataforma, assina um contrato e, no mês seguinte, começa a receber energia de fonte renovável. Nós já estamos caminhando para esses 3Ds, da descentralização, digitalização e descarbonização, que vêm junto com o benefício da energia renovável.

Em um futuro não tão distante, é possível que o consumidor brasileiro tenha aplicativo no celular para controlar o consumo de energia da casa dele? Ou essa descentralização vai ficar restrita ao consumidor que tem dinheiro para instalar painel solar no telhado de casa?

C. V. – O consumidor que tem esse painel no telhado já tem um aplicativo em que ele sabe quanto gerou e quanto compensou. Mas não é só nesse caso. Hoje, existem equipamentos que medem consumo sensorizado. E aí o consumidor passa a ser protagonista nesse mercado e conhecer muito mais. O que era uma incógnita para ele, um fantasma de consumo de energia, fica mais acessível. Basta você ter as informações e começar a usar esses dados para fazer o uso consciente dessa energia.

E o debate sobre incentivo econômico, sobre tributar mais produtos de energias que são sujas e isentar as limpas até que elas fiquem competitivas? Na sua avaliação, em que momento o Brasil está nesse cenário?

C. V. – O Brasil criou um subsídio para as energias renováveis com o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas) em 2005. Esse subsídio veio sendo aproveitado por essas usinas e está acabando. O subsídio da geração distribuída também teve um período, mais curto, mas também está se encerrando.

O Brasil deu o subsídio para fazer com que essas fontes gerassem escala e pudessem ser competitivas e hoje está tirando. O que a gente vê, hoje, como um incentivo são as próprias empresas querendo investir em energia renovável. E, uma vez que ela é mais competitiva, hoje, independentemente do subsídio, ela pode investir em energia renovável sem necessariamente ter um subsídio para isso. É exatamente porque o subsídio do passado trouxe esse benefício para essas fontes.

Durante um período, esse subsídio foi bem utilizado. Mas o investidor, hoje, tem uma consciência, os fundos, os family offices, os próprios bancos, eles olham esse mercado. Então, o direcionamento do capital para esse tipo de projeto já traz um benefício grande para quem quer investir em energia renovável.

Muitas empresas ainda preferem compensar toda a emissão delas com crédito de carbono, sem procurar ações que reduzam as suas próprias emissões. Como você avalia esse tipo de posicionamento e como isso vem mudando ao longo dos anos?

C. V. – No passado, as empresas que emitiam muito CO2 acabavam compensando isso comprando crédito de carbono, e muito pouco preocupadas com o processo. O mundo está mudando. Ele não aceita mais você estragar de um lado e compensar do outro.

O que você precisa fazer é tornar seus processos mais eficientes, reduzir essas emissões, e fazer dessa aquisição de crédito de carbono uma compensação de um pedaço dessas emissões que as empresas não conseguiram reduzir. Essa composição de compensação com mudança de processos vai sendo cada vez mais importante para as empresas. E é isso que mostra que a empresa é realmente ambientalmente responsável.

Vocês atuam no Rio Grande do Sul? O ministro de Minas e Energia falou em mais de R$ 1 bilhão em danos para o sistema por causa das chuvas. Que impactos vocês sofreram?

C. V. – Temos um escritório em Bento Gonçalves, e a nossa primeira preocupação foi dar suporte aos nossos colaboradores e clientes também, entendendo como foram afetados. Fizemos campanhas internas da Comerc com a consciência de que esse estado, realmente, vai precisar ser reconstruído.

Estamos fazendo o possível para conseguir ajudar o estado, não na questão da recomposição dessa linha de distribuição e transmissão, porque isso está muito relacionado à questão da distribuidora, mas no apoio à população do estado. É extremamente necessário.

Foi muito pesado para os clientes?

C. V. – Para alguns clientes, foi pesado, porque não puderam consumir a energia e tiveram de parar fábricas. Tivemos de ajudá-los no sentido de não terem nenhum prejuízo em relação à contratação de energia. E para poderem ter a tranquilidade de que estamos atuando como parceiros deles neste momento.

E a nova Bolsa de energia N5X? Como a entrada de uma Bolsa nova atua na transição energética?

C. V. – Já temos hoje uma Bolsa funcionando no mercado, que é uma sociedade de vários agentes. Várias comercializadoras hoje têm um balcão de negociação. A Bolsa é um sinal de liquidez. No nosso mercado, como em qualquer mercado, quanto maior for a liquidez, melhor.

Ainda não pudemos verificar que efeito esse novo instrumento vai trazer porque é muito novo, ainda está sendo desenvolvido, mas qualquer mecanismo que traga liquidez e que tenha uma boa governança em relação à comercialização de energia é muito bem-vindo. Esperamos que ações como essa e outras tenham sucesso e tragam para o nosso mercado uma liquidez com segurança. Como é um mercado muito volátil, não é muito fácil você criar mecanismos de garantias, mas a experiência e o desenvolvimento dessas Bolsas e desses balcões organizados acabam trazendo liquidez, e isso é importante.

RAIO-X | CRISTOPHER VLAVIANOS, 59

O empresário, que cursou economia na Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), sem completar, fundou a Comerc Corretora de Mercadorias aos 22 anos. Quase 15 anos depois, migrou para o setor de energia. Foi CEO de empresas do grupo e assumiu o conselho de administração em 2021

JOANA CUNHA / Folhapress

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