BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A incerteza em torno da troca de comando do Banco Central têm dificultado a convergência das expectativas de inflação para a meta de 3% nos próximos três anos, aponta o chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), José Júlio Senna.
Uma outra razão, segundo ele, é a ausência de segurança em relação ao futuro das contas públicas.
Ex-diretor do BC, Senna avalia que por trás da desancoragem das expectativas de inflação está o temor dos investidores de que haja uma redução do empenho do Copom (Comitê de Política Monetária) em levar a inflação à meta com a mudança na presidência do banco, que ocorrerá no fim do ano.
O mandato de outros dois diretores também termina em 31 de dezembro.
“As expectativas estão desancoradas por dois fatores: dúvidas sobre o futuro das contas públicas e incertezas associadas à troca de comando no BC. O problema é que o BC não controla esses dois fatores”, diz Senna à Folha de S.Paulo.
As expectativas de inflação de 2026 e 2027 estão estagnadas em 3,5% há 39 semanas seguidas, e a de 2025 também está neste patamar há 29 semanas.
Elas tinham começado a cair um pouco antes da confirmação pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) da meta de 3%, no final de junho do ano passado, mas logo em seguida ficaram paradas em torno de 3,5%, acima do patamar que vigorava em dezembro de 2022.
“Se houvesse confiança plena, teriam convergido para os 3%. Mas não convergiu”, afirma.
Para ele, o problema da transição no comando do BC não tem a ver propriamente com os nomes dos cotados. “É mais uma questão da incerteza que provoca”, diz.
Dois dos diretores do BC –Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti– indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão na corrida pela cadeira de Roberto Campos Neto.
O economista do Ibre avalia como menos provável a chance de um nome diferente dos dois, de fora da diretoria atual do banco, ser escolhido pelo presidente Lula.
“Há dois nomes de pessoas que já estão em campo, enfronhados no dia a dia do momento”, diz o ex-diretor. Quem viesse de fora entraria frio no jogo, afirma ele.
Galípolo se aproximou de Lula na campanha eleitoral e foi número dois do ministro Fernando Haddad (Fazenda) no começo do governo até ser indicado para a Diretoria de Política Monetária do BC.
Já Picchetti é diretor de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos e cursou o mestrado em economia na USP (Universidade de São Paulo) no mesmo período em que Haddad, no início dos anos 1990.
Em entrevista à GloboNews, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, falou sobre a sucessão do BC e uma eventual escolha de Galípolo, a quem chamou de quadro extraordinário.
“A escolha é do presidente Lula. É uma boa teoria de que o primeiro nome é sempre o nome mais forte”, disse.
Já Campos Neto tem defendido a antecipação no processo de transição no comando da autarquia, pela necessidade de o próximo presidente ser sabatinado pelo Congresso, que entra em recesso ao fim de 2024.
O atual presidente do BC costuma falar na necessidade de uma transição suave e nesta quarta-feira (3) afirmou que o mais importante para quem estiver sentado na cadeira é ter firmeza e saber dizer não.
“Seria bom fazer a sabatina este ano. Se um diretor for presidente interino, ele tem que passar por sabatina também”, disse o economista durante evento do Bradesco BBI, em São Paulo.
O próprio Campos Neto Campos avaliou que o cenário ficou mais difícil no último mês e meio para a inflação, sobretudo a de serviços.
Esse quadro torna mais desafiadora a continuidade do processo de desinflação no país para a convergência à meta.
O economista do Ibre destaca que, no leilão de terça-feira (2) de títulos do Tesouro atrelados à inflação (NTN-B), os juros reais subiram um pouco mais. O de prazo de vencimento em 2060 chegou a quase 6%.
“Sinal de desconforto do mercado, não apenas com relação à troca no BC e ao futuro do fiscal, mas também com a concreta possibilidade de a política monetária nos EUA seguir apertada por mais tempo do que se imagina”, diz Senna. Juros mais altos nos Estados Unidos dificultam a queda das taxas no Brasil.
Segundo ele, os BCs do Brasil e do mundo lutam agora para vencer a chamada “última milha” do combate à inflação. “Já se sabia que tal percurso seria o mais difícil. E enfrentam justamente esse problema”, afirma.
Senna lembra que expectativas acima da meta é um problema importante e exige mais da própria política monetária, sob a forma de juros reais mais elevados.
ADRIANA FERNANDES / Folhapress