SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cinco anos após sua incorporação ao SUS (Sistema Único de Saúde) pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), a terapia de estimulação elétrica do nervo vago (VNS, na sigla em inglês) segue sem ser disponibilizada aos pacientes com epilepsia grave e que não respondem aos remédios ou cirurgia existentes.
Em setembro de 2018, a comissão, responsável por definir o rol de tratamentos no SUS, aprovou a VNS para adultos ou crianças com epilepsia refratária, focal ou generalizada a pelo menos dois esquemas com medicamentos anticonvulsivantes, isto é, naqueles em que os tratamentos tradicionais para epilepsia não apresentam eficácia.
Em geral, após a incorporação, o Ministério da Saúde tem o prazo de 180 dias para disponibilizar a nova terapia após a publicação no DOU (Diário Oficial da União). No entanto, passados mais de 1.800 dias, os pacientes e familiares seguem na luta para acessar o tratamento no serviço público.
“É um desrespeito ao público, aos médicos, aos pacientes, cria uma falsa esperança de melhora. A resposta que recebemos é sempre que está em avaliação, mas nunca vem uma resposta definitiva”, afirma Maria Alice Mello Susemihl, presidente da ABE (Associação Brasileira de Epilepsia).
Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Saúde disse que atua com os esforços necessários para efetivar o acesso ao procedimento da VNS. “Contudo, a referida disponibilização representa um grande desafio, tendo em vista que os preços atualmente praticados pela empresa encontram-se em patamares superiores àqueles considerados pela Conitec na ocasião da sua recomendação.”
Disse, ainda, que as alterações de preço modificaram a relação de custo-efetividade da tecnologia, “ou seja, os pressupostos de eficiência do dispositivo no contexto do SUS não são mais os mesmos.” “O Ministério da Saúde busca soluções para a questão, tendo em vista sua complexidade e a necessidade de oferta do procedimento nos hospitais previamente autorizados com fatuamento de AIH (Autorização de Internação Hospitalar)”.
A epilepsia é uma condição neurológica na qual, devido a lesões no tecido cerebral, o paciente pode apresentar convulsões e desmaios. Segundo os especialistas, a epilepsia tem múltiplas causas, com um provável componente genético, mas também pode surgir após traumas e acidentes cerebrais, como AVCs (acidentes vasculares cerebrais), traumas sofridos durante o parto, tumores, dentre outros.
Já a terapia VNS é indicada somente para aqueles pacientes em que os tratamentos convencionais, que em geral são medicações anticonvulsivantes ou cirurgia, não funcionam. Com uma incisão na região do pescoço e tórax, faz-se o implante de um pequeno condutor com eletrodos que estimula eletricamente o nervo vago, levando os impulsos até a região cerebral afetada pela epilepsia.
Cerca de 3% a 4% da população tem epilepsia, ou 6 milhões de brasileiros. No entanto, aproximadamente 65% destes conseguem controlar com medicação, explica a neurologista do Hospital das Clínicas da USP, Carmen Lisa Jorge.
“Para os demais, há em torno de 30% que são aptos para a chamada cirurgia receptiva, que é a retirada da parte do cérebro lesionada, o que reduz as convulsões. Então os pacientes que teriam indicação para a modulação cerebral profunda [outra técnica similar à VNS] são um terço do restante que não pode fazer cirurgia e, destes, aproximadamente 10% podem usar o aparelho”, afirma.
Para Susemihl, da ABE, a demora aumenta ainda mais o risco de vida desses pacientes, que já é elevado para problemas cardiológicos e até risco de morte súbita. “O paciente com indicação para VNS é, via de regra, gravíssimo. Então você aumenta ainda mais esse risco”, avalia.
A proporção de pessoas no Brasil com indicação para VNS e com epilepsia grave seria em torno de 30 mil. Em resposta à ABE, o Ministério da Saúde havia informado que uma dificuldade para a disponibilidade da VNS seria o seu custo elevado, de aproximadamente R$ 150 mil.
“Novamente, se o Ministério da Saúde fizer a compra centralizada, acredito que será muito mais barato, então seria também benéfico a todos os pacientes que arcam com os custos da cirurgia e do implante”, diz Jorge.
Para as famílias que aguardam a terapia, porém, cada mês conta. A laboratorista têxtil Graziela Fantazia, 45, e o eletricista Edvaldo Santos e Souza, 50, pais dos gêmeos Mateus e Miguel, 12, já buscaram diversas formas de acesso à VNS via SUS, sem sucesso.
Os irmãos nasceram com 34 semanas de gestação, considerado prematuro, e, por complicações durante o parto, Mateus teve uma parada cardiorrespiratória e ficou 54 dias internado, o que levou a uma paralisia cerebral. O irmão, Miguel, esteve sob observação pelos primeiros 15 dias após o nascimento, mas não apresentou complicações graves.
Mateus passou por diferentes especialistas e tratamentos, mas nenhuma medicação parecia melhorar o seu quadro, com até 30 crises por dia.
Em 2020, ele fez o implante da VNS, já após a sua incorporação no SUS. No entanto, o procedimento foi realizado na rede privada com o plano de saúde do pai. “Foi a primeira vez que vimos uma melhora de fato, foi nítido. Ele chegou a dar uns passos, a gente conseguia andar com ele”, disse a mãe.
A troca de emprego fez com que a família perdesse o convênio. Desde então, os pais sofrem pela demora em conseguir realizar a troca do aparelho que dura, em média, cinco anos. A bateria de Mateus já está em 25%, o suficiente para o uso até, no máximo, final deste ano.
“Cada um joga a gente para um lado. No posto de saúde, dizem para entrar com um pedido na Secretaria Municipal de Saúde, na Secretaria, nem atendem a gente. Entrei com um pedido junto à Defensoria Pública do Estado de São Paulo que encaminhou para a Prefeitura de Mauá e estou aguardando, desde o dia 30 de outubro. O prazo que eles deram é de 20 dias”, conta a laboratorista.
A espera para ela que, há pouco mais de três anos, viu o filho dar os primeiros passos, é angustiante. “Como ele precisa de cuidado 24 horas, eu fico aflita, porque ele nunca conseguiu passar por uma fase de estabilidade, só com a VNS.”
Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde de Mauá informou que o caso de Mateus está sendo atendido pela Fundação de Santo André, e não em Mauá.
ANA BOTTALLO / Folhapress