Indicados por Lula citaram ‘custo reputacional’ de descumprir sinalização sobre juros, mostra ata do Copom

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O descumprimento da sinalização dada previamente sobre o ritmo de corte de juros dividiu o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, mostrou ata publicada nesta terça-feira (14).

Os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citaram o “custo reputacional” da mudança de estratégia traçada no encontro de março, que previa repetir um corte de 0,5 ponto percentual —na reunião de 8 de maio, o corte decidido foi menor, de 0,25 ponto, levando a taxa básica (Selic) a 10,50% ao ano.

“Tais membros discutiram se o cenário prospectivo divergiu significativamente do que era esperado a ponto de valer o custo reputacional de não seguir o guidance [sinalização], o que poderia levar a uma redução do poder das comunicações formais do comitê”, disse.

Para a ala minoritária, o ideal seria manter o plano de cortar a Selic em 0,5 ponto percentual e, em paralelo, reafirmar o firme compromisso do BC com o atingimento da meta de inflação. Na visão do grupo, uma redução desse tamanho ainda manteria a política monetária suficientemente contracionista, ou seja, em patamar adequado para frear a inflação.

A meta de inflação perseguida pelo BC neste e nos próximos anos é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo é considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

A minoria enfatizou a necessidade de flexibilizar as diretrizes a partir de junho, permitindo calibrar a trajetória dos juros de forma apropriada. Com isso, o Copom abandona prática adotada desde o início do ciclo de afrouxamento monetário, em agosto do ano passado, ao deixar de antecipar seus passos futuros.

Na última quarta-feira (8), o Copom cortou a Selic em 0,25 ponto percentual, de 10,75% para 10,50% ao ano, em uma decisão com placar dividido por 5 votos a 4.

A ala majoritária –que teve o voto do presidente do BC, Roberto Campos Neto, como decisivo para desacelerar o ritmo de queda dos juros– era composta por diretores indicados ou reconduzidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Já os quatro indicados por Lula votaram por um novo corte de 0,50 ponto, o que preservaria sinalização dada pelo próprio colegiado do BC no encontro anterior, em março. Na ala minoritária, está Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, favorito na disputa para ser o próximo chefe da instituição.

Em defesa do corte menor de juros, a maioria considerou que houve mudança no cenário esperado em função da piora adicional das expectativas, da elevação das projeções de inflação, do ambiente internacional mais desfavorável e da força da atividade econômica.

Essa ala ressaltou também que a orientação indicada na reunião anterior “sempre foi condicional”.

“Tais membros ressaltaram que muito mais importante do que o eventual custo reputacional de não seguir um guidance, mesmo que condicional, é o risco de perda de credibilidade sobre o compromisso com o combate à inflação e com a ancoragem das expectativas”, disse.

O dissenso no comitê, com a oposição de todos os novos membros do BC, foi interpretado pelo mercado financeiro como um sinal de que a autoridade monetária será mais leniente no combate à inflação ao término da gestão de Campos Neto, em 31 de dezembro.

Segundo relato feito por um membro do governo, essa percepção gerou incômodo na diretoria e havia expectativa de que a ata pudesse mostrar que a decisão tomada não foi política, mas técnica.

Para o ministro Fernando Haddad (Fazenda), a ata dissipou a tensão no mercado provocada pelo racha do Copom. “Tinha mais rumor do que verdade. Está tudo tranquilo”, disse.

Ele ressaltou o caráter técnico do documento. “Muito adequada e está em linha com o que eu de fato esperava. Eu entendia que eram duas posições técnicas, respeitáveis, e a ata deixou claro que os argumentos de lado a lado eram pertinentes e defensáveis”, afirmou.

Apesar das divergências, o Copom diz que concluiu de forma unânime sobre a necessidade de uma atuação mais cautelosa para reforçar a dinâmica de desinflação. As projeções de inflação do Copom subiram de 3,5% para 3,8% em 2024 e de 3,2% para 3,3% em 2025.

“Todos os membros concordaram que a adoção de uma política monetária mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações futuras sobre os próximos movimentos mostrava-se mais apropriada diante do cenário global incerto e do cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas [distantes da meta]”, disse.

No documento, o Copom reforçou que a extensão do ciclo de queda de juros será ditada pelo “firme compromisso” de convergência da inflação às metas.

Conforme a ata, alguns membros do colegiado julgaram que o balanço de riscos para inflação está assimétrico para cima. Isso significa que, na visão desse grupo, os fatores de risco de alta dos preços pesam mais do que os fatores de baixa.

“Para tais membros, a resiliência da atividade e a pujança do mercado de trabalho sugerem uma menor elasticidade do hiato do produto [diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo] à política monetária, o que poderia induzir um processo de desinflação ainda mais lento”, disse.

Enquanto alguns membros mostraram maior preocupação com a variação de preços de alimentos, outros destacaram o papel da inflação de serviços. O comitê disse que seguirá acompanhando os impactos econômicos da tragédia no Rio Grande de Sul, que registra quase 150 mortes até agora.

O comitê disse também ter acompanhado “com atenção” os desdobramentos da mudança na política fiscal. Em abril, o governo Lula propôs uma revisão na trajetória das contas públicas, com meta fiscal zero também para 2025, não mais 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

A partir das respostas dos economistas no questionário prévio à reunião, o Copom observou um aumento do prêmio de risco [de investimento no Brasil] e uma percepção de piora da situação fiscal, ainda que as projeções de resultado primário e de trajetória da dívida não tenham se alterado significativamente.

A questão fiscal entrou no debate sobre as possíveis causas pela deterioração nas expectativas de inflação. A piora do cenário externo e a percepção dos economistas sobre o comprometimento do BC no combate à inflação foram os outros fatores citados.

“De forma mais relevante, o Comitê unanimemente avalia que se deve perseguir a reancoragem das expectativas de inflação independentemente de quais sejam as fontes por trás da desancoragem ora observada. A reancoragem das expectativas de inflação é vista como elemento essencial para assegurar a convergência da inflação para a meta”, disse.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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