Índice ESG da B3 volta a crescer neste ano, mas isso tem pouco a ver com a sigla

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), principal indicador ligado às práticas de ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) da bolsa de valores brasileira voltou a crescer neste ano, depois de uma queda anual de 13% em 2022. Até quinta-feira (14), o índice havia valorizado 17%, em comparação com o final do ano passado.

A crescente, porém, tem mais a ver com um comportamento do mercado financeiro brasileiro como um todo do que especificamente com as pautas ESG. Basta olhar o movimento do Ibovespa, indicador de desempenho que reúne as empresas mais importantes da B3: crescimento de 19% até quinta, só dois pontos percentuais a mais do que o ISE.

Desde que o ISE foi criado, em 2005, os dois índices tendem a ter variações semelhantes. São raríssimas as exceções, mas uma delas foi o ano passado, quando o indicador de ESG registrou queda considerável, enquanto o Ibovespa valorizou 4,7%.

Das 66 ações que compõem a carteira do ISE, 43 também fazem parte do Ibovespa. Até o início de dezembro, eram 67 e 44, respectivamente, mas a Braskem foi excluída do ISE em função do desastre ambiental causado pela empresa em Maceió.

Segundo analistas, a razão do movimento incomum do ano passado está nas estruturas de cada índice. Como cada um deles tem metodologias próprias, as ações também têm pesos diferentes em suas carteiras. Assim, por exemplo, o peso das ações do Itaú no ISE não é o mesmo do peso no Ibovespa, o que faz com que cada índice sinta de forma distinta eventuais oscilações em setores econômicos.

Até novembro, as ações do setor financeiro representavam 18,5% de todos os papéis do ISE. Juntas, elas renderam 3,63%. Já no Ibovespa o setor representa 25% de todas as ações e as suas particularmente renderam 7,61%.

Pesa também para o lado do Ibovespa as ações de empresas ligadas a mineração e petróleo, como a Vale e a Petrobras, respectivamente, duas das maiores empresas do país que não fazem parte do ISE. “No Ibovespa, a gente viu contribuições muito relevantes de setores ligados a petróleo, gás e mineração. Isso fez o índice ter uma performance melhor no ano passado”, explica Henio Scheidt, gerente de Índices da B3.

As variações, portanto, dificilmente podem ser parâmetro para medir a adesão dos investidores a pautas ESG, ainda que de acordo com os analistas com que a Folha conversou essa pauta ainda é destaque.

Scheidt diz ser difícil mensurar a disposição do investidor para essas teses, mas considera como parâmetro a intensidade com que a própria B3 desenvolve ou aprimora índices ligados à pauta. Neste ano, por exemplo, a bolsa de valores brasileira criou o Idiversa, que considera ações de empresas que cumprem critérios de diversidade de gênero e raça com base na demografia do país.

“Eu sinto sempre uma demanda muito grande por novas teses. Inclusive, a gente lançou índices ESG nos últimos anos, como o Idiversa, além de aprimorarmos o ICO2 (Índice Carbono Eficiente da B3) e o ISE; isso tudo por demandas do mercado”, afirma.

A demanda também cresce por parte das empresas. Segundo a B3, neste ano houve um recorde de empresas que participaram do processo seletivo para fazerem parte do ISE de 2024. Foram 96, um crescimento de 16% em relação às 83 deste ano. Em 2022, havia sido 73.

Mas ainda há dúvidas sobre até onde a sigla pode chegar. Por muitos ela ainda é associada a pautas ideológicas de esquerda e nos últimos meses cresceram debates sobre sua real eficácia.

“Temos visto um movimento de resistência à incorporação desses critérios nas práticas de investimento, e essa resistência vai se dar de diversas maneiras, seja colocando o ESG como algo político ou diluindo a sigla em critérios que não são tão sustentáveis assim”, afirma Itali Collini, diretora da Potencia Ventures no Brasil.

Outros críticos questionam a amplitude das três palavras que compõem a sigla e, portanto, a consideram superficial.

“Há quem ainda crê que a ESG diz respeito apenas a investimentos em empresas com altos padrões de sustentabilidade ou empresas cujos produtos ou serviços geram impacto social e ambiental positivo, como empresas de energia renovável, saúde, saneamento público ou educação. Mas esta é uma visão moralista e redutora do que é ESG e vai sempre corresponder a uma pequena porcentagem num portfólio de investimentos”, diz Rodrigo Tavares, professor catedrático convidado na Nova School of Business and Economics, em Portugal, e colunista da Folha de S.Paulo.

De acordo com ele, o ESG é, sim, fundamental na hora de adicionar insumos à tomada de decisões de investimento e crédito. Isso porque, analisa, práticas ligadas a ela garante melhor gestão de riscos e maiores retornos.

“Creio que deixaremos de falar sobre ESG nos próximos anos, não porque entrou em decadência, mas porque a integração de dados e práticas ESG por empresas e investidores irá se normalizar e banalizar. Seria uma irresponsabilidade de um gestor de ativos negligenciar os riscos ESG que podem afetar os seus investimentos”, diz.

Para o ano que vem, a tendência é que o ISE continue acompanhando o Ibovespa, mas a taxa de juros global pode afetar os rumos.

“No ano que vem, se houver uma redução drástica da taxa de juros e vier mais dinheiro para o mercado financeiro, é provável que as exigências por ESG por parte dos investidores aumentem. Mas se a taxa de juros continuar alta e o dinheiro continuar mais focado na renda fixa, dificilmente esses critérios voltam a ter a força que tiveram em 2019 e 2020, quando tinha muito dinheiro circulando”, afirma Marcos de Vasconcellos, assessor de investimentos, fundador do Monitor do Mercado e também colunista da Folha de S.Paulo.

PEDRO LOVISI / Folhapress

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