Indígenas do Xingu recebem réplica de gruta com petróglifos após original ser vandalizada

ALDEIA ULUPEWENE, MT (FOLHAPRESS) – Os sons dos instrumentos tradicionais de sopro do povo waurá, similares a clarinetes, começaram ainda no início da madrugada. A celebração marcou o resgate de uma memória importante para os indígenas do Xingu, ao norte de Mato Grosso, e durou mais de 12 horas sem intervalo, inclusive sob o sol e alta temperatura.

A aldeia Ulupewene recebeu com festa a réplica da gruta sagrada de Kamukuwaká, considerada o berço da história dos povos do Alto Xingu. Nos dias 3 e 4, os indígenas da região inauguraram a peça e puderam contemplar a reprodução de alguns dos petróglifos milenares que foram perdidos após vandalismo na gruta original –hoje localizada entre duas fazendas de soja.

Composto de isopor, poliuretano, resina, tintas acrílicas e pigmentos naturais, a réplica foi confeccionada em Madri com tecnologia de ponta, por meio da iniciativa do centro britânico de arte e pesquisa People’s Palace Projects (PPP) em parceria com a ONG Factum Foundation, da Espanha. A peça mede oito metros de largura por quatro de comprimento.

Todas as etapas do trabalho, como pesquisas, elaboração do projeto, confecção da peça, o transporte e a montagem, contaram com a participação de indígenas locais. A força-tarefa começou em 2018, logo após o descobrimento do vandalismo na gruta, que fica em uma área de difícil acesso, próximo da aldeia Ulupewene.

Tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 2016, a gruta reunia gravuras rupestres com mais de 250 anos, que contavam o modo de vida tradicional dos indígenas, como as atividades de pesca, o convívio familiar, a caça, entre outras memórias.

Para o cacique Akari Wuará, a réplica colabora no fortalecimento da cultura e da luta indígena pelos direitos dentro e fora do território. Ele pede reforço na preservação para evitar mais danos ao monumento sagrado, que ainda guarda a história da origem dos povos xinguanos e onde eram repassados conhecimentos ancestrais para futuras lideranças.

“A gente pensou na nossa história, para que volte para nós. Porque se a gente deixar o Kamukawaká ser destruído, onde que nós vamos conhecer a nossa história, a pintura, a cantoria? Foi isso que a gente pensou para o futuro”, disse.

Akari conta que quando o território do Xingu foi demarcado, em 1961, a gruta de Kamukawaká ficou do lado de fora, mas os indígenas não entendiam como funcionava os limites territoriais. Com a expansão do agronegócio no estado ao longo dos anos, o local se tornou alvo de uma disputa com fazendeiros.

O cacique lamenta a perda dos petróglifos originais e diz que Kamukuwaká foi uma liderança indígena que ensinou seus descendentes como se relacionar com o mundo, como respeitar um ao outro e como cuidar do meio ambiente, o que inspirou o nome da gruta.

“Quando chegaamos a Kamukuwaká, de verdade, parece que perdemos alguém da família. Mas fiquei muito feliz quando vi a réplica aqui na aldeia. Hoje em dia os jovens fazem pulseiras com as pinturas que surgiram na gruta, para gente não perder a nossa cultura”, acrescentou Akari.

Fernando Medeiros, superintendente do Iphan em Mato Grosso, por sua vez, afirma ter registrado boletim de ocorrência para identificar os envolvidos nos danos irreversíveis ao patrimônio e que trabalhará com os indígenas na prevenção de depredações. A autarquia destaca que participou de reunião na Atix (Associação Tera Indígena do Xingu) e criou um grupo de trabalho para reforçar a preservação da gruta.

“O Iphan tem uma série de instrumentos legais para chegar a uma responsabilização para quem comete dano ao patrimônio histórico, mas não conseguimos identificar ninguém. Então isso exige que a gente inste a Polícia Federal, a Polícia Civil. Isso já foi feito, tem um processo administrativo que foi iniciado logo após a gente entender o que aconteceu, mas não é simples.”

A réplica agora pode ser vista no primeiro Centro Cultural e de Monitoramento Territorial, o primeiro museu no Xingu. A estrutura é feita por tijolos de barro tirado do solo da terra indígena. Os waurás construíram o espaço com as próprias mãos.

Nomeado como Cavaleiro da Ordem do Rio Branco pelo governo brasileiro, o diretor de arte da PPP, Paul Heritage, enfatiza que o projeto inédito une tecnologia em 3D, arte e saberes ancestrais. Ele comemora a cooperação mútua para a preservação das tradições e o respeito aos povos indígenas do Brasil.

“A cultura é internacional”, afirma ele. “Essa gruta pertence ao mundo, ao povo waurá e a todos os xigunanos. Nós estamos muito felizes, após seis anos, desde aquele primeiro momento, quando a equipe do PPP, junto com a equipe da Factum e as pessoas do wuará, que levaram a gente para a gruta. Desde aquele momento, quando descobrimos o vandalismo, estamos nessa luta juntos.”

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O repórter viajou a convite da People’s Palace Projects

JORGE ABREU / Folhapress

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