Indígenas sofrem ataque na véspera do Natal e tem animais mortos no Paraná

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Indígenas do povo avá-guarani que vivem na região de Guaíra, no Paraná, denunciaram ataques sofridos às vésperas do Natal, com armas de fogo, cachorros “torturados” e suspeita de atuação de milícias armadas.

Os fatos foram relatados em ofícios enviados à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e ao Ministério dos Povos Indígenas. Os documentos foram confirmados à reportagem, sob anonimato, por agentes envolvidos nas investigações.

Os ataques aconteceram nos dias 23 e 24 de dezembro, na região do território Tekoha Guasu Guavirá, ainda não demarcado e reivindicado há anos pelos guaranis que vivem no oeste do Paraná, perto da fronteira com o Paraguai.

Em uma reunião fechada no último dia 26 para tratar do assunto, agentes da PF (Polícia Federal) afirmaram que, em razão da escala de plantão de final de ano e de outras necessidades da região, não possuem efetivo para garantir a segurança dos indígenas na região.

Também é investigada a possível existência de uma milícia privada, que seria responsável pelos ataques na região. Os indígenas pedem que o Ministério da Justiça envie a Força Nacional para reforço na segurança.

Procurada, a PF afirmou que não vai se manifestar “sob pena de prejuízo de investigações em andamento”. A Funai não respondeu.

A região tem um histórico de violência e disputas que não inclui só os conflitos com fazendeiros, mas também a busca por indenização pela construção da usina de Itaipu.

Em maio deste ano, uma comitiva com lideranças avá-guarani entregou à sub-secretária-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Alice Wairimu Nderitu, uma carta sobre a situação do povo.

“A desassistência, fome e desesperança que agudizou durante a pandemia afetou principalmente os jovens, provocando uma onda de suicídios com 16 vítimas fatais e mais de 25 tentativas registradas, apenas nos anos de 2021 e 2022”, diz o documento.

O texto aponta a grave piora da situação da região durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL) e na gestão de Marcelo Xavier à frente da Funai -atualmente, ele é indiciado pela PF por homicídio com dolo eventual do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips no Amazonas.

Segundo os guaranis, houve uma “situação de genocídio que o nosso povo passou durante toda a gestão do governo Bolsonaro, principalmente no período de pandemia do novo coronavírus”.

O documento cita especificamente a situação do território Takoha Guasu Guavirá. Os indígenas reclamam da possível construção de uma cadeia e de uma ferrovia na região.

“O problema central é a falta de regularização da terra, vivemos em acampamentos, sem espaço para plantar, se condições de construir casas, escolas, postos de saúde, instalar energia elétrica e água potável”, escrevem.

O documento diz ainda que os agrotóxicos usados em lavouras na região contaminam a água utilizada pelas aldeias.

Na véspera de Natal, segundo uma carta divulgada pela comunidade indígena Yvyju Avary, houve um tiroteio que durou cerca de quatro horas.

“Queimaram nossos barracos, alimentos, nossos pertences materiais e agrediram a nós”, diz o texto. “[Foram feitos] vários tiroteios em nossa direção, trouxeram bombas caseiras e pegaram nossos animais.”

Segundo o relato, cachorros foram torturados e mortos “Roubaram nossos dinheiros, celulares e queimaram nossos documentos e também queimaram nossas motos”, afirma também a comunidade.

Um vídeo, gravado dias depois, mostra o momento em que os indígenas encontram os animais enterrados.

Em outra comunidade da mesma região, segundo os relatos, o lugar foi cercado por pessoas armadas. Nessa localidade, o primeiro ataque aconteceu no dia 23 e se repetiu no dia 24.

“Ao menos sete cápsulas de munição de arma de fogo foram identificadas pela Polícia Federal nas imediações da aldeia após o ataque. Na ocasião, ainda, os agentes alertaram a comunidade para não beberem água proveniente da caixa d’água, pois ‘provavelmente teria sido contaminada’, concretizando ameaças feitas pelo grupo que participou do ataque à comunidade”, diz uma nota publicada pela Comissão Guarani Yvyrupa.

Segundo agentes da região, o clima de tensão é grande e há receio de que um novo ataque aconteça nos próximos dias.

Trocas de mensagens obtidas pela reportagem também mostram conversas que citam “meter vala” nos indígenas e “contaminar a água” que alimenta as aldeias.

Segundo investigadores, ainda não se tem certeza sobre a autoria dos ataques nem sobre o funcionamento da possível milícia da região. A possibilidade de envolvimento de fazendeiros da região está em investigação.

A demarcação do território já teve sua delimitação realizada, mas ainda aguarda a portaria declaratória.

Em 2020, o processo sofreu um recuo quando a Funai, sob gestão de Marcelo Xavier, editou uma portaria que, na prática, anulava o trabalho que havia sido feito até ali.

A portaria foi suspensa pela Funai em abril deste ano, na gestão de Joenia Wapichana, no governo Lula (PT).

JOÃO GABRIEL / Folhapress

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