SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de 20 anos após a última decolagem do Concorde, a indústria da aviação se prepara para trazer os aviões supersônicos de volta aos voos comerciais. Desta vez, porém, tentam reduzir o barulho extremo e eliminar os combustíveis fósseis.
A Nasa divulgou mais detalhes sobre os testes de som do avião supersônico X-59 no fim de fevereiro. A aeronave foi formalmente apresentada pela agência em janeiro, e seu primeiro voo está programado para ocorrer ainda neste ano.
O X-59 não é um protótipo, mas sim um experimento. No entanto, a ideia é que os dados coletados na missão pavimentem o caminho para uma nova geração de aeronaves comerciais.
O projeto tenta fazer autoridades regulatórias reconsiderarem leis que limitam a operação de aviões supersônicos nos Estados Unidos.
Desde a década de 1970, o governo americano país proíbe que aeronaves da categoria realizem voos com civis sobre a terra. O objetivo é evitar que os estrondos sonoros incomodem moradores ou causem danos às suas propriedades.
A expectativa da Nasa é que o barulho provocado pelo X-59 seja como um “baque silencioso”. A intensidade esperada deve chegar perto dos 75 decibéis abaixo dos mais de 100 decibéis que eram registrados nos voos supersônicos do Concorde.
Enquanto o X-59 não decola, a Nasa usou outros aviões de sua frota em velocidades que variaram entre 1.420 km/h e 1.729 km/h para entender os equipamentos e procedimentos que serão usados no solo para gravar o som emitido pela nova aeronave supersônica.
Pesquisadores envolvidos no projeto, feito com investimentos da fabricante Lockheed Martin, espalharam dez microfones em um raio de quase 50 quilômetros em um deserto na Califórnia para que pudessem captar o som das aeronaves.
Nesses primeiros testes, tentaram superar desafios como a manutenção dos equipamentos de captação sonora.
O X-59 voará a uma velocidade próxima a 925 milhas por hora, ou cerca de 1.500 km/h, patamar acima da velocidade do som. Para quebrar as ondas de choque que causam o estrondo sonoro, o nariz do avião representa um terço de todo o seu comprimento.
É por esse motivo que a cabine fica localizada quase na metade da aeronave, sem janela voltada para frente. Uma série de câmeras de alta resolução fornece imagens a um monitor disponibilizado para o piloto.
Do lado dos fabricantes, um dos projetos para retomar os voos comerciais em aviões supersônicos é da empresa americana Boom Supersonic.
A companhia diz que o primeiro voo da sua aeronave, chamada de Overture, está programado para ocorrer em 2027.
No entanto, a empresa espera receber a certificação regulatória necessária para transportar passageiros no fim desta década, somente.
O avião terá cerca de 61 metros de comprimento e 32 metros de envergadura (distância entre a ponta de uma asa e outra), com capacidade para até 80 passageiros.
Até o momento, a Boom Supersonic possui 130 pedidos e pré-encomendas do Overture feitos por companhias aéreas como American Airlines, United Airlines e Japan Airlines.
Outra diferença de alguns novos projetos em relação ao supersônico Concorde é o uso do combustível.
A Boom Supersonic aposta exclusivamente no SAF (combustível sustentável de aviação), que polui até 80% menos do que o querosene tradicionalmente usado pelas companhias aéreas.
O combustível sustentável também está previsto para ser usado no jato supersônico da empresa americana Exosonic, outro projeto para tentar reviver o segmento.
Porém, o grande desafio do uso de SAF é a falta de oferta. De acordo com a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), em 2023, o volume de SAF produzido no mundo havia superado o patamar de 600 milhões de litros. O número correspondeu a somente 0,2% do uso global de combustível de aviação pela indústria.
A poluição era uma das desvantagens do Concorde. Segundo a British Airways, o avião consumia cerca de 25,6 mil litros de querosene de aviação por hora. Modelos como o Boeing 737-800 gastam cerca de 2.800 litros de combustível por hora em um voo de cruzeiro (quando o avião já está em alta velocidade e altitude).
Na visão de Alessandro Oliveira, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), a emissão de gases causadores do efeito estufa e os ruídos provocados no voo são dois dos principais desafios a serem superados pelas fabricantes dos novos aviões supersônicos.
“Nós temos décadas de evolução no regulamento do ruído aeronáutico em todo o mundo. Os aeroportos já não aceitam aviões muito ruidosos. Temos empresas grandes querendo alimentar seus hubs e empresas low cost querendo voar com máxima eficiência energética. É um tema não só sobre emissões, mas também de vantagem competitiva”, afirma.
Segundo Oliveira, além do acidente com o Concorde que deixou 113 mortos perto de Paris em 2000, um dos motivos para a derrocada do Concorde no começo deste século foi sua desvantagem econômica em relação a novas companhias low cost que estavam surgindo.
Com altos custos de operação, as passagens do Concorde eram mais caras do que em voos convencionais.
De acordo com Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, o avanço tecnológico facilita o ressurgimento das aeronaves supersônicas na aviação comercial. No entanto, ele avalia que essa continuará a ser uma fatia menor do mercado, sem grande penetração.
“Isso é um nicho de mercado. Não dá para ser um mercado denso. E hoje já temos aviões comerciais chegando a 1.000 km/h. Ainda não rompem a velocidade do som, mas já dá uma vantagem competitiva de tempo”, diz Quintella.
PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress