SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Decisões judiciais obtidas pela chamada “Indústria Limpe seu Nome” retiraram dos serviços de proteção ao crédito informações sobre dívidas no valor de R$ 108 bilhões referentes a protestos registrados em cartórios.
Isso representa 11,4% do total de R$ 949 bilhões em títulos protestados no país nos últimos cinco anos, segundo dados do IEPTB (Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil), entidade que representa esses cartórios.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) investiga a pedido do instituto uma possível participação de juízes em um esquema fraudulento, já que muitas decisões a favor desses devedores estão concentradas em alguns magistrados no interior de três estados do Nordeste (Pernambuco, Paraíba e Piauí), embora os clientes estejam em outras regiões –a maioria em São Paulo.
Em alguns casos, são ajuizadas várias ações idênticas no mesmo tribunal, à espera de que uma delas caia com um determinado magistrado. Quando isso ocorre, as demais são retiradas.
Em seus sites, as empresas que vendem os serviços “limpe seu nome” dizem garantir a obtenção de decisões liminares (provisórias), em geral na primeira instância do Judiciário, para retirar o registro dessas dívidas desses cadastros. Elas alegam haver negativação indevida de milhares de devedores listados em razão de suposta ausência de notificação da empresa ou consumidor.
O IEPTB aponta fragilidade jurídica nessa tese e diz que as decisões contrariam entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de que não é preciso nova notificação do título protestado, por parte do birô de crédito e da central de informação dos cartórios, pois os tabelionatos já fazem isso obrigatoriamente no momento do protesto.
“Esses juízes estão tornando letra morta uma decisão do STJ à qual estão obrigatoriamente vinculados como se fosse uma lei”, afirma André Gomes Netto, presidente do IEPTB.
A entidade, que representa os cartórios de protestos de dívidas não pagas, também é alvo dessas ações e tem sido proibida de divulgar as informações em seu site e aplicativo de consulta gratuitos. Os dados só estão disponíveis para quem faz a pesquisa presencialmente nos tabelionatos.
Ao tentar cumprir as decisões liminares, o instituto muitas vezes se depara com documentos inválidos ou consumidores que nem sequer possuem protestos em seus nomes.
Algumas dessas decisões já foram revertidas com base em questões como falta de legitimidade dessas associações, às quais geralmente o cliente não é filiado, para atuar nessas ações, falta de documentação e reconhecimento de que não é possível utilizar ações coletivas para uma questão de direito individual.
Na denúncia entregue ao CNJ, a entidade afirma que “o modus operandi dessas empresas nada mais é que uma forma de mercantilizar o processo judicial enquanto instrumento para incentivar o inadimplemento de dívidas”.
O IEPTB argumenta também não ser uma instituição com fins lucrativos, como as empresas de informação de crédito, e que não cobra valores pelo fornecimento do registro de protesto. Por determinação legal, oferece consulta gratuita a essas informações em seu site.
O presidente do instituto afirma que a ausência de acesso a essas informações prejudica, por exemplo, o micro e médio empresário que, na venda parcelada, não sabe quem está querendo contrair crédito com ele. Também serve de incentivo à inadimplência e contribui para aumentar o custo de crédito para os demais consumidores e empresas.
“Quem é que paga por essa conta? Quando se suprimem R$ 108 bilhões do conhecimento público, quem está com o nome sujo passa a estar com o nome positivo. Esse devedor não faz o caminho de volta para procurar o credor dele, para renegociar essa dívida ou pagar. Ele simplesmente fala assim: ‘Não vou pagar nada'”, afirma. “Quem paga essa conta é o bom pagador.”
Em nota, o CNJ informou que, em setembro do ano passado, a Corregedoria Nacional de Justiça instaurou o pedido de providências para investigar a atuação de juízes e juízas na concessão de liminares sigilosas em processos judiciais que beneficiariam associações ligadas a esquema de ocultação de protestos e cadastros de inadimplentes, conhecido como “limpa-nome”, nas bases de consultas em todo o país. No momento, o processo está em fase de instrução.
EDUARDO CUCOLO E FLÁVIO FERREIRA / Folhapress